A vida e a obra de Antonia Pozzi, uma das vozes essenciais da poesia moderna italiana

Morta aos 26 anos e admirada por nomes como Eugenio Montale, Pozzi lança mão de imagens de um cotidiano mais direto, sem perder o poder de concentração das palavras.

Antonia Pozzi (Milão, 1912-1938) é uma das vozes essenciais da poesia italiana. De em uma família de classe alta, viajou muito pela Europa e recebeu uma ampla educação cultural. Em 1927, conheceu Antonio Maria Cervi, seu professor de latim e grego no Liceu Manzoni. Apaixonou-se por ele e, em 1929 — ano em que escreveu seus primeiros poemas —, iniciaram um longo relacionamento. A oposição de seus pais ao namoro fez com que se separassem, apesar dos planos de casamento.

Em 1930, Pozzi começou seus estudos na Universidade de Milão, onde fez amizade com o círculo de estudantes reunidos em torno do filósofo Antonio Banfi, sob cuja orientação escreveu uma tese de doutorado sobre Gustave Flaubert. Em 1937, começou a trabalhar como professora no Instituto Schiaparelli, enquanto se apaixonava — sem ser correspondida — por seu amigo Dino Formaggio, um jovem com um forte compromisso social.

Em 1º de dezembro de 1938, escreveu uma carta de despedida para os pais, incluindo uma menção afetuosa à sua avó. No dia seguinte, tomou uma overdose de barbitúricos.

Antonia Pozzi não publicou seu trabalho durante sua vida. O pai organizou — e editou com censura — seus poemas. 

A partir da década de 1940, Eugenio Montale colocou a poesia de Pozzi no lugar de destaque dentro da história da literatura italiana.

Na obra de Pozzi, nota-se o gosto pelas imagens, pelas alegorias, tomando, muitas vezes, imagens de um cotidiano mais direto, sem perder, contudo, o poder de concentração das palavras, dando aos leitores a missão de preencher os vazios deixados por seus versos.

Unicidade

Eu creio nisto:
que não se pode mudar de nome,
mudar de rosto
às criaturas já nascidas
no coração.

E por isso nosso filho
único
será aquele
que nós sonhamos
nas manhãs de junho
— te lembras? —
quando pisoteávamos
as espigas loiras
para colher as amapolas
flamejantes
e todo o céu era um rugido
de asas humanas
que buscavam o sol.

Eu creio nisto:
que saberei esquartejar
com minhas próprias mãos
o ventre
antes de dar a vida
a um filho
não teu —

*

A âncora

Fiquei sozinha na noite:
tenho sobre o rosto o sabor de teu pranto,
ao redor do corpo
o silêncio — que sobre o ruído
da porta fechada, em grandes círculos
se afasta.

Lenta na água escura
do coração —
lenta e segura,
entre as algas profundas
os ecos das tempestades as longas correntes
as brandas guirlandas das ondas
ao redor de submersos
rochedos —

lenta e segura,
até às areias secretas jazentes
no fundo do existir —
esperança tenaz, com seus três braços
reluzentes

penetra a âncora
de tuas três palavras:
— Espera por mim —.

*

Ao amado

Tu voltaste em mim
como a voz
de alguém que chega,
que enche de repente o quarto
quando já é noite.

Aqui estava
apenas o peso
das horas enrijecidas
em monotonia de pedra,
em passo lento
de riachos na distância
debaixo dos arcos nus dos álamos. Estavam
ao fim das casas
as pobres estradas
de novembro, dilaceradas por sulcos…

E estava este meu viver
que se repete a cada dia
o gesto de uma mão de carne
mergulhada nas profundidades
para fechar a boca de Deus.
Estava a areia
que se derrama
sobre o incêndio de Deus.
Estava a gadanha
que mastiga
as relvas de Deus
A pedra
que cai sobre os cães,
sobre os pássaros de Deus.

Então voltaste
tu — em mim —
como a voz
de alguém que chega,
que ninguém mais espera
porque já é noite.

Retornaste a mim
como um fiel
bando de andorinhas
que voltam a fazer seus ninhos
no telhado escuro do coração.
Voltaste como um enxame
de abelhas que buscam
suas flores — e adornam
o jardim nativo.

Agora no jardim eu sinto
crescer as novas
flores minhas para ti. Sinto brotar
sobre os prados, onde
a neve derreteu,
as anêmonas amarelas

e do solo do céu
as estrelas — que com elas se parecem —
as estrelas — depois que a geada
do crepúsculo desapareceu
e noite é a terra fecunda —
o monte
primaveril
de Deus.

*

Deitar 

Agora o aniquilamento suave
de nadar de costas
com o sol na cara
— o cérebro penetrado pelo vermelho
através das pálpebras fechadas —.
Esta noite, sobre a cama, na mesma posição,
o candor sonhado
de beber,
com as pupilas amplas,
a alma branca da noite.

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