por Fabrício Tavares de Moraes
Numa de suas crônicas, Lobo Antunes alude, não sem certa malícia, e movido por sua eterna crítica aos agraciados pelo Nobel, a uma das célebres boutades de Agustina Bessa-Luís. Num encontro e conversa com Saramago, Agustina teria dito:
– Ó, Saramago você devia fumar.
– Mas o tabaco faz mal – respondeu Saramago.
– Pois faz, mas você assim escrevia menos.
Deixemos claro, porém, que não somos daqueles que se levam pelas famosas anedotas da autora, que são, como nos lembrou recentemente Rui Ramos numa nota dedicada a ela, a melhor maneira de não compreendê-la. Estamos, na verdade, perante uma das intelectuais mais prolíficas e versáteis do Portugal do século XX. Além de escritora, esteve, por exemplo, na direção do Teatro Nacional de D. Maria II, no período de 1990-1993, assim como na do jornal O Primeiro de Janeiro, de 1986-1987.
Escritora do norte, nascida em Vila Meã, no concelho de Amarante, e posteriormente radicada na cidade do Porto, Agustina é um desses nomes simbólicos de um país “macrocéfalo” (como dizia Antero de Quental), proverbialmente conhecido pelos seus atritos entre as duas “capitais” – Lisboa e Porto.
Ora, parte considerável da obra de Agustina Bessa-Luís se foca precisamente no mundo e mitologia nortenhos, o que, aliado a posicionamentos por vezes tidos como românticos ou retrógrados, valeram-lhe não pouco desdém por parte de escritores do outro polo cultural do país, Lisboa, que tendiam, no decorrer do século XX, a um engajamento manifestamente progressista, ainda mais em vista das experiências no regime salazarista. Apesar de ter-se mostrado ativa na vida pública e política de Portugal, pouco lhe interessava, conforme confessara diversas vezes, muitas dessas querelas culturais e partidárias comuns nos círculos intelectuais.
Filha de uma espanhola e de um português que viveu anos no Brasil, Agustina dedicou a nós brasileiros uma das obras mais lúcidas sobre esta Sibéria verde, como dizia Nelson Rodrigues. Em Breviário do Brasil, escrito em 1989, quando a autora contava 72 anos, é, apenas superficialmente, um livro de impressões de viagem. Ao longo desse périplo de uma comitiva portuguesa pelo país, patrocinado pelo Centro Nacional de Cultura (órgão português), a autora assinala as complexidades culturais e históricas do Brasil, confessando por vezes a impenetrabilidade de certos elementos de nossa identidade. Se Alfredo Bosi tem razão quando diz que nossa obsessão pela “brasilidade”, por esse núcleo evasivo que nos faz quem somos enquanto nação, terminou criando um gênero literário próprio, talvez haja pequeno espaço (mas sem dúvida uma menção honrosa) para essa obra “carinhosa” de Agustina, que concebia, aliás, a história brasileira como uma espécie de extensão da história portuguesa.
Mais do que a comunidade lusófona, perdemos todos nós que ainda cremos na responsabilidade do escritor perante o mundo e perante o próprio homem; nós que continuamos depositando confiança na gravidade de sua tarefa. Afinal, como a própria autora dizia: “Há pouca gente que percebe que escrever é uma espécie de danação em que às vezes se tem o encontro com Deus.”