Em mais uma peça para a série Café Filosófico, o Estado da Arte traz o testemunho de um dos maiores poetas de todos os tempos, Charles Baudelaire, sobre o consumo de entorpecentes, em trechos selecionados de seu “Poema do Haxixe” nos Paraísos Artificiais, de 1860.
Ao promover no ano de 2017 a celebração e a discussão do tema da “Responsabilidade”, o Café Filosófico dedicou um ciclo inteiro à questão da saúde mental em nosso tempo, exasperada entre a psicoterapia e a psicofarmacologia. Na introdução ao ciclo “Pílulas e Palavras” o curador, Alfredo Simonetti, se perguntava:
O que podem a psiquiatria, a psicanálise e as psicoterapias, com suas pílulas e palavras, fazer por quem vive se debatendo com os sintomas da modernidade? E o quanto responsabilizam-se por suas tecnologias químicas e verbais, e por seus efeitos psíquicos e sociais, os psiquiatras, os psicanalistas e os psicoterapeutas atuais? E aqueles que se colocam na posição de paciente, delegam aos clínicos a responsabilidade pela “cura” de seus sintomas ou assumem a responsabilidade por sua infelicidade cotidiana? E será que existe mesmo um “sofrimento novo” ou trata-se apenas da velha e conhecida angústia humana repaginada pelas palavras criativas dos nossos intelectuais?
Em sua própria palestra, “A invenção do Remédio”, Simonetti explorou o momento histórico em que a psiquiatria deixou de se ater ao tratamento das doenças mentais e passou a cuidar também da infelicidade cotidiana, o chamado mal-estar contemporâneo, elaborando para tanto uma vasta farmacopeia.
O tema das drogas, e da ambígua fronteira entre as medicamentosas e as entorpecentes, as medicinais e as recreativas, foi também objeto de todo um ciclo no ano de 2014: “Do hedonismo à adicção: as drogas no mundo contemporâneo” , com palestras sobre álcool, maconha, crack, cocaína e cigarro. O mesmo tema foi abordado incidentemente em palestras como “Corpo e Saúde na contemporaneidade”, com o filósofo e psicanalista André Martins.
Do mesmo modo, o mal-estar de que falava Simonetti, foi o tema de fundo do ciclo “Os Fantasmas da Perfeição”. Como disse o seu curador, o filósofo Luiz Felipe Pondé:
Nós, humanos, habitamos um tipo de meio ambiente distinto das demais espécies: o espaço interior, a alma, a mente, o espírito. Vivemos expectativas, fracassos, inquietações, e a consciência da dor. Os últimos séculos estabeleceram formas novas desses velhos dramas: sonhos políticos, técnicos, científicos, psicológicos e morais, todos marcados pela tentativa de interromper um destino infeliz aparentemente inexorável.
É precisamente sobre esta tentativa frustrada de interrupção que Charles Baudelaire constrói todo o seu diagnóstico sobre o abuso de entorpecentes. Isso se vê de pronto já pelos próprios títulos dos capítulos do “Poema do Haxixe” – “O gosto pelo infinito”, “O Teatro do Serafim”, “O Homem-Deus – e, claro, o título antológico do próprio livro: Paraísos artificiais. Como ele mesmo diz:
É nesta depravação do sentido do infinito que jaz, na minha opinião, a razão de todos os excessos culposos, desde a embriaguez solitária e concentrada do literato que, obrigado a procurar no ópio o alívio de uma dor física, e tendo desta forma descoberto uma fonte de prazeres mórbidos, fez disto pouco a pouco sua única higiene e como que o sol de sua vida espiritual, até a embriaguez mais repugnante dos suburbanos que, com o cérebro carregado de fogo e glória, rolam ridiculamente nos lixos da rua.
Veja também no acervo do Café Filosófico:
Do hedonismo à adicção: as drogas no mundo contemporâneo