O mundo crepuscular do Doutor Bomgard, por Efim Etkind

Em parceria com o Estado da Arte, a 34 disponibiliza aos leitores um alentado ensaio de Efim Etkind, em que o famoso crítico e dissidente russo analisa as peculiaridades da prosa de Bulgákov e suas relações com o meio literário soviético.

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Reunindo nove narrativas ficcionais, Anotações de um jovem médico traz alguns dos primeiros experimentos literários de Mikhail Bulgákov (1891-1940), um dos mais aclamados escritores russos do século XX, autor de O mestre e Margarida. Em nova tradução, de Érika Batista, a obra é um lançamento da Editora 34.

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(Reprodução: Editora 34)

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Publicados entre 1925 e 1926 em um periódico soviético direcionado aos trabalhadores da medicina, os textos têm como base a experiência do próprio autor nos anos de 1916 e 1917, quando, logo após obter o diploma de médico na maior universidade do país, foi enviado para atuar em um pequeno hospital no interior da Rússia. São histórias que exploram o que há de mais humano na profissão, seus medos e incertezas, bem como as agruras da população rural, formando um retrato vívido e melancólico, ainda que não desprovido de humor, de um período especialmente turbulento do país, que atravessava a Primeira Guerra Mundial, a Revolução de 1917 e a Guerra Civil. Além do ciclo de contos “Anotações de um jovem médico”, o volume inclui a novela “Morfina” e a narrativa curta “Eu matei”, também de cunho autobiográfico.

Complementam o volume um prefácio da tradutora e um alentado ensaio de Efim Etkind, em que o famoso crítico e dissidente russo analisa as peculiaridades da prosa de Bulgákov e suas relações com o meio literário soviético. Em parceria com a 34, o Estado da Arte traz hoje o ensaio de Etkind.

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O mundo crepuscular do Doutor Bomgard,[1] por Efim Etkind

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Efim Etkind (Reprodução)

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Mikhail Bulgákov — junto com Marina Tsvetáieva — é um dos escritores russos deste século que durante muito tempo ninguém quis conhecer, nem aqui, nem lá — nem intra muros nem extra muros da União Soviética —, e a quem, agora, ambos os lados estendem as mãos. Já faz vinte anos que na União Soviética dizem: “ele é nosso e sempre foi nosso”, numa tentativa de apagar a apreciação recebida em 1927 pelo autor de A guarda branca, quando a Grande Enciclopédia Soviética registrou que “a obra de Mikhail Bulgákov posiciona esse autor no flanco da extrema direita da literatura russa contemporânea, fazendo dele o porta-voz artístico dos estratos burgueses mais à direita da nossa sociedade”.

Flanco de extrema direita… Círculos da burguesia de direita… Assim foi dito na mais oficial das publicações do partido único. Alguns anos mais tarde, uma fórmula semelhante seria a sua sentença de morte. Mas em 1927 o império burocrático ainda começava a ser estabelecido: Trótski acabara de ser expulso, a autocracia acabara de ser instalada. O autor da Grande Enciclopédia Soviética tinha em mente o romance A guarda branca e a peça O apartamento de Zoia.

Enquanto isso, Bulgákov começava a publicar peças jornalísticas no jornal Vésperas,[2] de Berlim, e já era o autor do ciclo de narrativas Anotações de um jovem médico, impresso de 1924 a 1927 (mas principalmente em 1926, quando foram publicados sete dos nove contos). A Grande Enciclopédia Soviética não menciona esse ciclo: ele não tinha nenhuma relação com a política. É comumente aceito que Anotações de um jovem médico é obra de um escritor iniciante, uma tentativa saída da pena de um médico de zemstvo[3] que está ainda tateando o seu caminho literário… Aquele que ontem era um estudante de medicina reconta causos da sua prática: neles, pela primeira vez vê com os próprios olhos a difteria, o aborto espontâneo, a sífilis, uma menina mutilada por um espadelador que está morrendo de perda de sangue. Na universidade o ensinaram, ofereceram-lhe palestras, demonstraram casos típicos; mas agora esse jovem recém-amadurecido precisa ele mesmo tomar as decisões das quais dependem vidas humanas. E essas decisões, todas as vezes, ele as toma pela primeira vez.

Acredita-se que essas histórias sejam só parcialmente ficcionais, que realmente se trata de “anotações de um jovem médico”. Para tal reputação contribui o fato de que, com exceção de uma, todas elas foram impressas numa publicação da área médica: a revista O Trabalhador da Medicina.[4] Mas tudo isso é um mal-entendido. Pela mesma lógica, poderíamos considerar que as Memórias de um caçador, de Turguêniev, são escritos de interesse restrito, concebidos para os colegas da caça outonal, ou então que o romance L’Argent, de Zola, é um guia para banqueiros iniciantes.

Anotações de um jovem médico é um livro completo de um escritor maduro. É claro que é baseado em material autobiográfico, mas isto não o torna diferente de outras obras de Bulgákov, bem como de outras obras da literatura mundial. A explicação para a sua publicação no periódico O Trabalhador da Medicina é simples: imprimir uma prosa como essa, já em 1926, era difícil, quase impossível. Bulgákov fez um primeiro experimento: enviou um conto para a revista Panorama Vermelho,[5] mas depois não voltou a tentar. Todo o restante apareceu no Trabalhador da Medicina, e todos os contos (exceto “Eu matei”) foram divididos em dois, por vezes três números da revista.

Na União Soviética, a impressão de obras “duvidosas” em publicações especializadas é uma forma já testada de contornar a censura. Um dos exemplos mais curiosos é a aparição de poemas dos românticos e parnasianos franceses — Vigny, Musset, Leconte de Lisle, Heredia, Gautier — no almanaque Campos de Caça (1960, 1º semestre).[6] Toda a se leção (com tradução de Mark Gordón[7]) constituía uma seção inteira do almanaque, intitulada… “Literatura de caça estrangeira”. Esses poetas franceses, à época execrados como burgueses “puramente estetas” e seguidores da “arte pela arte”, transformaram-se, nas páginas dessa publicação especializada, em simples retratistas de animais, e por isso inofensivos ao leitor soviético.

É possível que algo parecido tenha se passado com os contos “de médico” de Bulgákov.

Na União Soviética, o ciclo Anotações de um jovem médico só foi publicado em livro depois de quarenta anos, na série “Bibliotiéka Ogoniók” (1963) e na coletânea Izbrannaia proza (Prosa reunida, Moscou, 1966 e 1980), mas não em sua totalidade. Por exemplo, lá não entraram as obras “Exantema estrelado”, “Eu matei” e “Morfina”.[8] Por qual motivo? Difícil dizer; talvez o primeiro, que aborda uma epidemia de sífilis, parecia pintar a vida rural russa com cores cruéis demais; o segundo é sanguinolento; o terceiro é patológico. Mas entrar em tais conjecturas não faz sentido: é impossível compreender a lógica dos editores soviéticos. O ciclo completo só foi publicado no primeiro tomo das Obras reunidas de M. A. Bulgákov editadas por Ellendea Proffer em 1982, pela editora norte-americana Ardis.[9]

Nessa edição, os contos estão dispostos numa sequência diferente daquela publicada no Trabalhador da Medicina. A editora explica: “Tomamos a sequência dos contos de Anotações de um jovem médico de acordo com a sua cronologia interna, de forma que sejam lidos quase como uma autobiografia, o que, em grande medida, eles são”. Talvez até sejam. No entanto, a ordem em que o autor imprimiu os seus contos traz uma lógica própria, uma outra causalidade, que não é autobiográfica, e diferentes efeitos artísticos. Ao publicar os contos de acordo com o tempo cronológico, a editora se atém ao enredo — na crença de que a intenção do autor é contar tudo em sequência: assim, em novembro de 1917, ele chega ao hospital de Múrievo e no mesmo dia faz uma cirurgia praticamente irremediável (“A toalha com um galo”); depois dessa cirurgia, fica famoso e passa a receber cem pacientes por dia (“Tempestade de neve”); então, no conto “Garganta de aço” aparece a data de 29 de novembro e, em “A praga das trevas”, 17 de dezembro…

O tempo se move para a frente. Mas era isso que o autor queria? No Trabalhador da Medicina apareceu primeiro “Tempestade de neve” e “A praga das trevas”, depois “Exantema estrelado”, e só depois desses três contos vem “A toalha com um galo”, onde o leitor retorna ao início do enredo: a chegada do jovem médico ao hospital. É possível assumir que essa inversão do tempo foi concebida por Bulgákov, e que, ao eliminá-la e enfileirar os acontecimentos, a editora alterou a trama, substituindo-a por um enredo. (Basta imaginar um rearranjo em ordem cronológica das partes de Herói do nosso tempo, de Liérmontov!) Se o ciclo é aberto com “A toalha com um galo”, então o que está no centro de tudo é um narrador que dá início à sua prática médica na quieta e erma cidade de Múrievo. Mas se imaginarmos que o ciclo começa com “Tempestade de neve”, então o ponto de partida é a própria Rússia; esse conto tem uma epígrafe de Púchkin: “Às vezes uiva como fera,/ Às vezes chora como bebê”, e no próprio texto há ecos constantes de Púchkin:

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“— Será possível que o senhor perdeu a estrada? — minha espinha gelou.

— Que estrada? — retrucou o cocheiro, com voz aflita. — Para nós agora a estrada é esse mundo branco todo aí. Nos desviamos e não foi pouco… Já estamos andando faz quatro horas, mas para onde… Que se pode fazer…” (pp. 69-70)

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Neste diálogo com o cocheiro, pode-se ouvir ecos do conto “Nevasca”, e de “A filha do capitão”. E também do poema “Demônios”:

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— Eia, cocheiro, partamos!

— Agora, patrão, não tem como, É pesado demais pros cavalos A nevasca me entra nos olhos, Toda a estrada já foi soterrada. Por Deus, não se vê um palmo.

Não entendo… Que quer que eu faça?…[10]

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De Púchkin a Blok, a tempestade de neve é o mais tradicional símbolo da Rússia revolucionária.

A borrasca, a nevasca e a tempestade de neve são metáforas constantes no romance A guarda branca. Logo no início, é possível captar um eco da epígrafe puchkiniana na descrição do destino dos Turbin:

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“A vida deu cabo delas ainda em sua aurora.

Há muito começara aquela vingança nórdica, soprando sem cessar, e quanto mais longe, pior. […] No norte, uiva cada vez mais alto a nevasca, e aqui, sob os nossos pés, o ventre da terra ecoa o seu ronco surdo…”[11]

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Isso foi publicado em 1925. Um ano depois, o conto “Tempestade de neve” continua a desenvolver essas metáforas: nesse sentido, este poderia ser o primeiro conto do ciclo, o começo de um novo livro que dá sequência a A guarda branca.

Bulgákov fez de tudo para desvencilhar a sua pessoa do narrador das Anotações de um jovem médico: seu nome é Vladímir Mikháilovitch Bomgard, o dia do seu aniversário é 17 de dezembro (e não 3 de maio), ele é solteiro (diferente do autor) e fisicamente não se parece com Bulgákov; nas duas últimas narrativas, o autor afasta de si os acontecimentos ainda mais: primeiro o doutor Bomgard publica a carta e o diário que lhe deixou o falecido doutor Poliakov, depois reconta a história do doutor Iáchvin. Chegou-nos alguma informação sobre o próprio Bulgákov já ter sido viciado em morfina, mas teria esse fato biográfico alguma relação com a intenção estética do escritor? Deve-se conhecer em detalhes a vida do autor estudado, mas não se pode colocar a biografia acima da criação, não se pode colocar os fatos da vida, ocasionalmente descobertos, acima da intenção do artista.

Em seu prefácio à prosa de Bulgákov, Konstantin Símonov insiste que o autor pertence “ao grande conjunto que, em sua totalidade, é chamado literatura soviética”.[12] Cinco anos antes, em 1968, Vladímir Lakchín fez uma alusão sarcástica aos críticos que não conseguiam encontrar lugar para Bulgákov em seus cursos e apostilas, “assim como, pouco tempo atrás, não havia lugar para Iessiênin, Bábel ou Tsvetáieva”.[13] Muito escreveu-se sobre Bulgákov nos últimos anos, mas as palavras de Lakchín não deixam de ser justas.

Anotações de um jovem médico é drasticamente diferente das obras que constituem a “literatura soviética” dos anos 1920, e mais ainda a dos anos 1930. A principal propriedade dessa literatura é o monopólio do tema do conflito social. O homem não existe fora da sociedade, na qual o conflito de classes opera sem nunca cessar, assumindo variadas formas e semblantes: o que constitui as tramas é o confronto dos kulaki com os batraki,[14] ou dos brancos com os vermelhos, ou dos senhores de terra com os servos, ou então, simplesmente, dos ricos com os pobres, ou dos agentes da Europa Ocidental (espiões, sabotadores) com os vigilantes cidadãos soviéticos. Com base nesse conflito foram construídos os romances, as novelas e as peças de Górki, Cholokhov, Fadêiev, Fiédin, Pilniák, Leonov, Pogodin, Lavrienióv, Katáiev, Oliécha, e até de poetas, como Maiakóvski, Tíkhonov, Sielvínski, Pasternak, Iessiênin, Bagritski… Contra esse pano de fundo, a prosa de Bulgákov — a despeito de toda a modéstia e discrição das Anotações de um jovem médico — assume um aspecto desafiador.

O doutor Bomgard chega ao hospital de Múrievo em 17 de setembro de 1917. Passados dois meses, em 29 de novembro, faz uma traqueotomia na pequena Lidka, que sufoca em decorrência de uma difteria. Em 17 de dezembro, ele celebra seu aniversário prescrevendo quinino a um moleiro doente de malária. E o que houve nesse meio-tempo? Não houve nada; nem o jovem doutor nem os mujiques que vieram até ele perceberam a grande Revolução. Não, ela não teve importância em comparação aos tormentos dos doentes e às amargas experiências do médico que procura ajudá-los, fadado à solidão, ao fracasso e ao assassinato involuntário. As descrições que Bulgákov faz dos pacientes são cruéis e difíceis de esquecer, embora seus detalhes mais sórdidos e sangrentos não causem repulsa ao leitor:

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“Olhei, e o que vi estava muito além do que eu esperava. A perna esquerda, a bem dizer, não existia. Começando no joelho esmigalhado, jaziam farrapos sangrentos, músculos vermelhos amassados, e brancos ossos esmagados despontavam, agudos, em todas as direções.” (“A toalha com um galo”, p. 27)

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Ou então, o jovem doutor está tentando sentir o pulso da paciente e é tomado por uma alegria incomparável ao encontrar “uma ondinha rara”:

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“Passou… depois houve uma pausa, durante a qual consegui dar uma olhada nas narinas azuladas e nos lábios pálidos… Já estava quase dizendo: acabou… mas felizmente me contive… Mais uma vez passou a onda, como um fiozinho.” (“A toalha com um galo”, p. 28)

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Esse fiozinho é mais importante que qualquer outra coisa no mundo; foi justamente ele que abafou o estrondo da Revolução. Nós seguimos detalhadamente cada uma das operações do doutor Bomgard, vendo-as pelos olhos ingênuos de um médico iniciante: para nós, leitores, o mérito do doutor é o de que ele vê tudo pela primeira vez, frequentemente não compreendendo, não reconhecendo o que vê, não conseguindo aliar o conhecimento teórico, obtido na universidade, àquela realidade sem precedentes.

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“Deitaram-na despida na mesa, lavaram a garganta dela, besuntaram com iodo, e eu peguei o bisturi, enquanto pensava: ‘O que estou fazendo?!’. Peguei o bisturi e tracei uma linha vertical na garganta branca e rechonchuda. Nem uma gota de sangue saiu. Tracei uma segunda vez com o bisturi a listinha branca que surgia no meio da pele que se abrira. De novo, nada de sangue. Lentamente, tentando me lembrar de algum dos desenhos do compêndio, comecei a separar os tecidos fininhos com ajuda da sonda acanalada. E então, de algum lugar por baixo da incisão, começou a jorrar um sangue escuro, que instantaneamente a inundou e escorreu pelo pescoço.” (“Garganta de aço”, p. 53)

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O poder das impressões evocadas pela descrição de Bulgákov deriva, em particular, do frescor do olhar desse cirurgião inexperiente, da sua ignorância acerca dos resultados das próprias ações e da sua invariável surpresa com o sucesso das próprias técnicas, sucesso que nem ele sabe de onde vem. Cada um dos contos médicos de Bulgákov poderia servir de ilustração à posição tomada por Viktor Chklóvski ao formular a essência da arte verbal partindo da prosa de Lev Tolstói:

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“Ele não chama as coisas pelos seus nomes, mas descreve-as como se as visse pela primeira vez,

e os incidentes, como se ocorressem pela primeira vez; e ao descrever as coisas não usa os nomes já aceitos de suas partes, mas chama-os pelos nomes de partes correspondentes de outras coisas.”[15]

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Eis como o jovem médico narra a primeira vez em que teve de arrancar um dente:

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“Lembro muito bem também do dente cariado, forte e colossal, solidamente cravado no maxilar. Apertando os olhos com uma expressão sábia e soltando grasnidos de preocupação, coloquei as pinças no dente […]. Ouviu-se um estalo na boca e o soldado uivou prontamente: ‘Oho-o!’.

Depois disso, cessou a resistência sob a minha mão e as pinças saltaram da boca ainda apertando um objeto branco e ensanguentado. Aí o meu coração paralisou de medo, porque o objeto ultrapassava em volume qualquer dente, mesmo o molar de um soldado. De início não entendi nada, mas depois por pouco não me pus a soluçar: nas pinças, é verdade, sobressaía um dente com raízes bem longas, mas do dente pendia um enorme pedaço de osso, irregular, vividamente branco.

‘Quebrei o maxilar dele’, pensei, e as minhas pernas fraquejaram…” (“O olho desaparecido”, pp. 96-7)

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Ou a descrição de um suicida que enfiou uma bala no peito:

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“As minhas mãos, as mãos da auxiliar de enfermagem e as mãos de Mária Vlassiêvna começaram a percorrer o corpo de Poliakov com rapidez, e uma gaze branca com manchas vermelhas amareladas saiu de baixo do casaco dele. Seu peito subia e descia fracamente. Senti o pulso e tremi: o pulso desaparecia sob os meus dedos, arrastava-se e nivelava-se num fiozinho com pequenos nós, frequentes e pouco duradouros. A mão do cirurgião já alcançava o ombro do paciente, segurava-o entre os dedos para injetar cânfora naquele corpo pálido. Nesse momento, o ferido descolou os lábios, fazendo surgir neles uma listinha de sangue cor-de-rosa, mexeu levemente os lábios azuis […]. Sombras violeta, acinzentadas, como as do ocaso, foram colorindo cada vez mais vividamente as cavidades ao lado das narinas, e, nas sombras, brotava feito orvalho um suor miúdo, tal qual bolinhas de mercúrio.” (“Morfina”, pp. 139-40)

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Nas Anotações de um jovem médico tem lugar uma renovação da realidade por meio da incompreensão dos seus mecanismos. A descrição de como, junto com o dente, foi quebrado também algum objeto branco é intensa e dramática, uma vez que o dentista, que é o próprio autor, não sabe exatamente o que acabou de fazer e sente medo e remorso, considerando a si mesmo um criminoso.

Bulgákov persegue tênues discrepâncias entre as várias camadas do “homem interior”, as quais se revelam em conflitos ora entre o raciocínio e o sentimento, ora entre o pensamento e a fala, ora entre a realidade e o sonho. Frequentemente o narrador fica espantado ao perceber uma voz que surge de dentro, que murmura palavras que lhe são inesperadas, que contradiz o que parecem ser os seus pensamentos e as suas intenções. Esses diálogos interiores podem ser encontrados nas Anotações, e por vezes são predominantes; por exemplo, no conto “A toalha com um galo”, em que a “ação interna” ocupa muito mais espaço do que a externa, que já é extremamente intensa. Irei me aprofundar apenas em três episódios dessa “ação interna”.

O jovem médico chega ao pátio do hospital de Múrievo e olha para a sua futura residência; de repente ele pronuncia, espantado, uma citação que surge em sua memória, independentemente da sua vontade:

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“E, naquele momento, em vez de palavras latinas, passou-me vagamente pela cabeça uma frase doce, cantada, no meu cérebro, tonto devido ao frio e às sacudidas, por um tenor gordo de calças azul-claras:

‘… Olá… refúgio sagrado…’” (“A toalha com um galo”, pp. 18-9)

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Segue-se um diálogo interno, no qual alternam-se pensamentos sobre um casaco de peles, uma pernoite em Grabílovka, a lenta viagem, a chuva, a paisagem. Então há o primeiro contato do médico com o hospital e sua equipe, seguido de uma longa reflexão sobre o sentido da expressão “sentir-se em casa”:

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“Além de fogo, o ser humano também precisa sentir-se em casa.” (p. 22)

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O médico olha os compêndios e manuais e fica contente com o que vê:

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“A noite seguia, e eu ia me sentindo em casa. ‘Não tenho culpa de nada’, pensei, com aflição e teimosia. ‘Tenho um diploma, fechei as médias com quinze notas “cinco”. Avisei, quando ainda estava na cidade grande, que queria trabalhar como médico adjunto. Não. Sorriram e disseram: “Você vai se sentir em casa”. Sinta-se em casa você! E se vierem com uma hérnia? Expliquem, como é que vou me sentir em casa com ela? E em especial, como é que vai se sentir o doente cuja hérnia eu tenho nas mãos? Vai se sentir em casa no outro mundo (nesse momento um calafrio me perpassou a espinha)…’” (p. 23)

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Em ambas as passagens o diálogo ocorre por causa do surgimento involuntário de uma citação: um verso de uma ópera e a expressão “sentir-se em casa”, usada por alguém na universidade. Mais à frente, o diálogo se materializa, torna-se completamente inteligível: o narrador conversa consigo mesmo, avalia ou condena a si mesmo, dentro dele surge uma espécie de “voz severa”, que caçoa do jovem esculápio; acontece que essa não é bem a voz do Medo, ou do Cansaço, tampouco um produto do sonho. Todo esse episódio merece ser citado; ele é característico do interesse que Bulgákov alimenta, cada vez mais, pelos processos irracionais que fluem no “homem interior”:

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“Em melancolia e no crepúsculo eu passeava pelo gabinete. Quando alcancei a lâmpada, vi meu rosto pálido surgir momentaneamente na treva sem limites dos campos, junto às chamas refletidas na janela.

‘Pareço o Falso Dmitri’, pensei de repente, estupidamente, e me sentei de novo à mesa.

Torturei-me na solidão por duas horas, e torturei-me até os meus nervos não suportarem mais os medos criados por mim. Então comecei a me acalmar e até a fazer alguns planos.

Vejamos… O número de consultas, dizem, agora é insignificante. Estão malhando o linho nas aldeias, as estradas estão intransitáveis… ‘Por isso mesmo te trarão uma hérnia’, deixou escapar uma voz severa no meu cérebro, ‘porque, quando as estradas estão intransitáveis, quem pega um resfriado (uma doença simples) não vem, mas uma hérnia forçosamente trarão, pode ficar tranquilo, querido colega doutor.’

Aquela voz não era nada burra, não é verdade? Estremeci.

‘Silêncio’, disse para a voz, ‘não necessariamente uma hérnia. Que tal uma neurastenia? Quem inventa aguenta.’

‘Quem fala sustenta’, replicou sarcasticamente a voz.

Vejamos… não vou me separar do guia… Se tiver que receitar alguma coisa, posso pensar enquanto lavo as mãos. O guia ficará aberto bem em cima do livro de prontuário. Darei receitas úteis, mas simples. Bem, por exemplo, ácido salicílico três vezes ao dia, 0,5 por dose…

‘Dá para receitar bicarbonato de sódio!’, replicou o meu interlocutor interior, obviamente escarnecendo.

O que o bicarbonato de sódio tem a ver com isso? Se quiser, receitarei até infusão de ipecacuanha… em 180 ml. Ou em 200. Com licença.

E então, embora ninguém exigisse ipecacuanha de mim, na solidão junto à lâmpada folheei covardemente o manual de receitas, chequei a ipecacuanha, e até li de passagem que havia no mundo uma tal de ‘insipina’. Não passava de ‘sulfato de éter de ácido diglicólico de quinina’… Ao que parece, não tem gosto de quinino. Mas para que serve? E como receitá-la? O que ela é, um pó? Que o diabo a carregue!

‘Insipina é insipina, mas como é que vai ser com a hérnia, afinal?’, importunou teimosamente o medo em forma de voz.

‘Mandarei o paciente tomar um banho de banheira’, defendi-me, exasperado, ‘um banho. E tentarei pôr de volta no lugar.’

‘Uma hérnia estrangulada, meu anjo! Para o inferno com os banhos aqui! Uma estrangulada’, o medo cantou com voz de demônio, ‘tem que cortar…’

Então eu desisti e por pouco não chorei. E dirigi uma prece às trevas além da janela: tudo o que quiserem, menos uma hérnia estrangulada. E o cansaço cantarolou:

‘Vá dormir, esculápio infeliz. Durma bem, e de manhã tudo estará visível. Acalme-se, jovem neurastênico. Olhe: as trevas além da janela estão quietas, os campos congelados dormem, não há nenhuma hérnia. E de manhã as coisas estarão visíveis. Durma… Largue o compêndio… Você não vai entender nada agora, de qualquer forma. Anel herniário…’” (pp. 23-5)

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O princípio do espanto máximo quando face a face com o mundo tornado estranho, seja ele interior ou exterior, é o fundamento das Anotações de um jovem médico, e é aprofundado pelas premissas do enredo, o que costuma ser muito importante na obra de Bulgákov. Nem é preciso dizer que é essa a essência estilística da novela grotesca Um coração de cachorro. Nela, o mundo todo é visto pelos olhos de um vira-lata faminto que, ao notar um certo cidadão de casaco, pensa:

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“Um cheiro me rejuvenesceu, reanimou minha barriga, apertando o bucho vazio há dois dias, um cheiro que suplantou o de hospital, o cheiro paradisíaco de picadinho de cavalo com alho e pimenta. Sinto, sei, que no bolso direito deste casaco forrado de pele tem um salame. Ele vai tropeçar em mim. Oh, meu senhor! Olhe para mim, estou morrendo! Nossa alma é servil, infame o nosso fardo!…”[16]

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Depois, o cão Chárik se transformará no camarada Chárikov, mas irá manter o seu modo canino de olhar para o mundo e para a sociedade. Mais um exemplo: o modo peculiarmente satânico de olhar para Moscou e os moscovitas que têm Woland e os seus ajudantes em O mestre e Margarida. No entanto, esse já é um outro tópico, muitíssimo extenso: os diferentes tipos e níveis de estranhamento na prosa de Bulgákov, uma prosa certamente inovadora, embora possa parecer tradicionalista.[17]

O doutor Bomgard perdeu a Revolução e não se deu conta da Guerra Civil: havia preocupações muito mais urgentes. Bulgákov também escreveu sobre as reviravoltas sociais do seu tempo, mas essas páginas costumam ter um caráter humorístico ou grotesco — assim são as peças jornalísticas do Vésperas e de outros periódicos, assim são os capítulos sobre a dona de casa Vassilissa em A guarda branca, e assim é a novela Um coração de cachorro.

O romance O mestre e Margarida se constrói na contraposição entre o eterno e o efêmero; daí os seus capítulos irônico-grotescos sobre a sociedade e suas diabruras, sobre a farsa moscovita, com seus apartamentos comunitários e suas mesquinhas paixões de ganância, e daí os capítulos sublimes, cheios de páthos, sobre o eterno, sobre o Bem, que Ieshua ha-Notzri trouxe consigo a Jerusalém. Relacionar-se de modo sério e profundamente dramático consigo mesmo não cabe ao homem social, cujas paixões são efêmeras e transitórias, mas sim ao homem fisiológico e psicológico, que pertence à natureza e, por meio dela, à eternidade. V. Lakchín nota, com muita sagacidade, que há duas “testemunhas silenciosas” que estão sempre presentes em O mestre e Margarida: “a luz do Sol e a luz da Lua, a inundar as páginas do livro”, e isso, na opinião dele, “não é simplesmente o mais espetacular aparato de iluminação para um cenário histórico, mas algo que funciona como escalas de eternidade… Marcam os elos que ligam o tempo, a unidade da história dos homens”.[18] Essa é a chave para a poética de Bulgákov, em cuja obra o mesmo Lakchín enxerga “um interesse especialmente aguçado por questões relacionadas a escolhas morais, a responsabilidades pessoais”,[19] e sumariza: “a vitória da arte sobre o pó, sobre o horror diante de um final inescapável, sobre a própria temporalidade e sobre a brevidade da existência humana”.[20] Devo acrescentar algo que Lakchín, mesmo escrevendo já em 1968, não pôde dizer: a predominância dos problemas universais — fisiológicos e morais — sobre os sociais, do eterno sobre o perecível. É esse o significado das linhas cheias de páthos que fecham o romance A guarda branca, escritas numa época que precede imediatamente as Anotações de um jovem médico:

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“Tudo passará. O sofrimento, o tormento, o sangue, a fome e a pestilência. A espada há de desaparecer, mas as estrelas permanecerão ainda quando os nossos corpos e feitos já não deixarem sombra sobre a terra. Não existe uma única pessoa que não saiba disso. Por que, então, não voltamos os nossos olhos a elas? Por quê?”[21]

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Bulgákov

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Notas:

[1] Publicado em Vrêmia i My (Nós e o Tempo), revista das comuni-dades russas emigradas em Nova York, Jerusalém e Paris, nº 81, 1984, pp. 120-31. Efim Etkind (1918-1999), filólogo e teórico da tradução, foi pro-fessor do Instituto Pedagógico Estatal de Leningrado; perseguido por ra-zões políticas, deixou a União Soviética em 1974 e passou a lecionar em diversas universidades da Europa e dos Estados Unidos. O ensaio tem tra-dução e notas de Danilo Hora. (N. do T.)

[2] Nakanune, jornal fundado em março de 1922 com a intenção de aproximar a União Soviética da comunidade russa emigrada em Berlim. Outros colaboradores frequentes do jornal foram Mikhail Zóschenko, Va-lentin Katáiev, Serguei Iessiênin e Óssip Mandelstam. (N. do T.)

[3] Sistema de administração regional autônoma que funcionou na Rússia entre 1864 e 1918. (N. do T.)

[4] Meditsínskii Rabótnik, um dos mais antigos periódicos dedicados aos profissionais da área médica na Rússia, existente ainda nos dias de ho-je. Antes e depois do período soviético chamou-se Meditsínskaia Gazeta (Jornal da Medicina). (N. do T.)

[5] Krásnaia Panorama, revista quinzenal que existiu de 1923 a 1930. Em 1925, Bulgákov conseguiu publicar apenas a primeira parte do conto “Garganta de aço”. No mesmo ano, a revista havia publicado uma versão reduzida de sua novela Os ovos fatais, distribuída nos números 19 a 24. (N. do T.)

[6] Okhotnitchi Prostory, almanaque publicado na URSS de 1950 a 1991. (N. do T.)

[7] Mark Zakhárovitch Gordón (1911-1997), poeta, tradutor e bibliófilo judeu-russo. (N. do T.)

[8] O conto “Exantema estrelado” também não entrou na edição da “Bibliotiéka Ogoniók”; nessa edição, ainda, a data dos eventos foi troca-da de 1917 para 1916. (N. do T.)

[9] Sobránie sotchiniénii (Obras reunidas) foi a primeira edição da obra completa de Mikhail Bulgákov, publicada em oito tomos de 1982 a 1990. A Ardis Publishing foi fundada em 1971 na cidade de Ann Arbor, no Michigan, pelos eslavistas Carl e Ellendea Proffer, e notabilizou-se por publicar, em inglês, mas principalmente em russo, vários autores censura-dos na União Soviética. (N. do T.)

[10] “Biêssy”, poema de Púchkin escrito em 1829. (N. do T.)

[11] Biélaia gvárdiia, Moscou, Ladomir, 2015, p. 11. (N. do T.)

[12] Kontantin Símonov, “Sobre três romances de Mikhail Bulgákov”, em Mikhail Bulgákov, A guarda branca, Romance teatral e O mestre e Margarida, Moscou, Khudojestvennaia Literatura, 1973, p. 10.

[13] Vladímir Lakchín, “O romance O mestre e Margarida, de Bulgá­ kov”, Novii Mir, 1968, nº 6, p. 284.

[14] Na URSS, eram chamados de kulaki os camponeses prósperos que empregavam mão de obra assalariada. O termo batraki refere-se a qual-quer tipo de trabalhador rural contratado. (N. do T.)

[15] Viktor Chklóvski, “A arte como procedimento”, em Poética: coletânea sobre a teoria da linguagem poética, Petrogrado, 1919, p. 106.

[16] Em Um coração de cachorro e outras novelas, São Paulo, Edusp, 2010, p. 151, tradução de Homero Freitas de Andrade. (N. do T.)

[17] “Bulgákov não inventa uma prosa nova, mas estuda a antiga com afinco” — Lev Lôssiev, Anotações nos punhos, o primeiro livro de Mikhail Bulgákov, Nova York, 1981, p. 16.

[18] “O romance O mestre e Margarida, de Bulgákov”,­ Novii Mir, 1968, nº 6, p. 288.

[19] Idem, pp. 310-1.

[20] Ibidem. Ver também a resposta de V. Lakchín a M. Gus em Novii Mir, 1968, nº 12, pp. 262-5.

[21] Biélaia gvárdiia, Moscou, Ladomir, 2015, p. 257. (N. do T.)

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Todos nossos agradecimentos à editora 34, personificada aqui por Amanda Viana e Nina Schipper.

O livro pode ser adquirido aqui.

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