Poeta, contista e músico, Pedro Gonzaga lança agora seu primeiro volume de crônicas, O Livro das Coisas Verdadeiras (Arquipélago Editorial). Dono de uma sensibilidade artística completa e equilibrada, Gonzaga reuniu neste volume seus textos publicados quinzenalmente pelo jornal Zero Hora. Ali, o poeta que sempre foi dono de prosa elaborada revelou, com luzes variadas, a cidade interior que todos habitamos. De Porto Alegre, entre uma aula de literatura e o lançamento de seu livro na cidade (que ocorrerá em São Paulo em Novembro), o também professor Pedro Gonzaga concedeu ao Estado da Arte esta entrevista.
Christopher Hitchens dizia que seus amigos de geração que se saíram bem na literatura tinham todos um bom treino musical. Como músico, você sente a influência do aprendizado musical no seu artesanato com a palavra, com o texto?
Pedro Gonzaga – Creio que sim. A música educa o ouvido para os ritmos e as melodias do mundo. Ao passar para a escrita, isso tem a ver, respectivamente com as pausas e com as palavras. Mas também o som das pausas, o ritmo das palavras. Não consigo pensar em uma literatura, ao menos não como experiência particular, que não passe pela sonoridade.
Quanto vive uma crônica?
Pedro Gonzaga – A crônica é um gênero altamente perecível, em especial quando o compromisso do cronista não é mais que repercutir o cotidiano, seus fenômenos, seus acontecimentos. Creio que a sobrevivência de um texto feito para jornal ou revista depende da ambição de ser mais do que isto. Um caminho é o diálogo com o leitor. Outro é salvar do esquecimento experiências pessoais e coletivas que possam ter um valor para além do instante. O cronista pode ser uma espécie de zelador de museu, que se ocupa de manter vivas e limpas as coisas do passado.
Cabe ao cronista um processo de arqueologia, mas uma arqueologia que fosse poética em especial.
Carlos Drummond de Andrade foi um cronista correto, mas burocrático. Nelson Rodrigues, revelou genialidades muito distintas em seu teatro e em sua crônica. Suas crônicas revelam certa sintonia de estilo e de visada para as coisas do mundo com seus contos e poemas. Esses registros diferentes são literariamente mais próximos uns dos outros para você?
Pedro Gonzaga – Gosto de pensar que a literatura que pratico é um pouco como a música do multiinstrumentista. Os variados instrumentos são formas diferentes de experimentar um mesmo estar no mundo, são caminhos distintos para levar aos mesmos lugares. Mas também gosto de acreditar que nenhum caminho é igual ao outro. E também quero imaginar que há muitos leitores que sentem mais alegria na estrada que no destino.
Você escreve em uma das crônicas: “Iluminação, para mim, só se for indireta”. Como a literatura te ilumina?
Pedro Gonzaga – A literatura me parece mais uma lente do que uma luz. Chegaria a dizer que ela funciona especialmente com menos luz. Creio que os antigos sabiam disso, com seus sóbrios escritórios de mogno. Aquele retiro de que fala Quevedo, que, salvo engano, cito em uma das crônicas, um desertar do mundo para ouvir as vozes dos mortos, os autores de outros tempos.
Quem lê as tuas crônicas, vislumbra que cidade? A Porto Alegre física e geográfica?
Pedro Gonzaga – Espero que não. Esta física, se existiu, é feito de ruínas. Gostaria que os leitores encontrassem uma cidade projetada por suas próprias fantasias, que são o mais próximo que chegaremos, creio, de uma redenção.
Você escolheu os versos de Drummond “As coisas. Que tristes são as coisas consideradas sem ênfase” para abrir o livro. Que ênfase o cronista Pedro Gonzaga deu às coisas verdadeiras que considerou e escreveu?
Pedro Gonzaga – Depois que tudo passa, só as coisas ficam. Nesse sentido suponho que sejam verdadeiras. Cabe, assim, ao cronista, um processo de arqueologia, mas uma arqueologia que fosse poética em especial. Uma arqueologia que encontrasse nas coisas os resquícios de alguma humanidade.
Lançamento em Porto Alegre: Quarta, 05 de outubro, 18h30, na Livraria Palavraria (Rua Vasco da Gama, 165).