O nome da parte que não dorme — Pedro Gonzaga

Com exclusividade, no Estado da Arte, os três poemas que abrem "O nome da parte que não dorme" — lançamento do poeta Pedro Gonzaga, cujos poemas operam "no estilo do alto século XX, concebidos com economia lírica e rigor prosaico, oscilando entre o desespero e a ironia, o desalento e a compaixão."

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Pedro Gonzaga (Acervo do autor)

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Anos atrás, escrevi nesta página do Estado da Arte sobre meu livro que então saía, Em outros tantos quartos da terra. Revendo-a agora, em busca de uma possível relação com o que tenho a dizer, ainda me parece uma página interessante, embora, três anos depois, não lembre bem, não consiga mesmo reconhecer por que tomei tal caminho naquela apresentação. Talvez movido por uma dessas coisas que não dormem, assanhada em nos perseguir, até que um dia, de súbito, desaparece. No primeiro poema do atual volume, chamei-a a ela e suas semelhantes de fantasma, precária nomeação, mas antiga a ponto de que possamos reconhecê-la. De um modo ou outro, é no corpo, que desconhece nomenclaturas, que tais forças exercem seu poder de assombro.

Como bem disse Eduardo Wolf, os poemas a seguir — pequena prévia de O nome da parte que não dorme — operam no estilo do alto século XX, concebidos com economia lírica e rigor prosaico, oscilando entre o desespero e a ironia, o desalento e a compaixão.

A pré-venda já está aberta no site pedrogonzaga.com e em breve haverá uma live de lançamento aqui no Estado da Arte. Por ora, seguem, com exclusividade, os três poemas que abrem o livro.

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Version 1.0.0

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o nome

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deixaste a tua melhor parte

num café da rua da praia

de um modo desatento

não lembras sequer o ano

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mas não te recrimines tanto

perder é um invento do passado

como um dente roído por dentro

antes do breve estalo de cristal

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depois o disparo da raiz exposta

a bonança do plano dentário

bônus do lastimoso emprego

à energia empenhada com gente

que em breve precisará de um

aplicativo para limpar o rabo

enquanto tua melhor parte

ah aquela tua melhor parte

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no corpo levas só a outra

em tuas tantas partes flácidas

com olhos a cada dia mais molhados

frente a esse fantasma que baila

feito ave na poça baldia

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coisas sobre nós que os livros de física ignoram

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a gravidade lunar de teus dedos neste planeta

a radiação quente do teu corpo quando chora

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o reflexo solar em nossos olhos na penumbra

a fluida inércia da noite ao redor deste quarto

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a clara acústica dos sons que apenas intuo

o movimento jamais reto e uniforme do amor

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ossos

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o comprimido na mão

a velha senhora pergunta —

qual a quantidade exata de cálcio

para um osso não quebrar

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não se dirige a ninguém em específico

parece espantada com a descoberta —

é estranho ter gordura nas artérias

pedra nos rins

açúcar no sangue

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os olhos fechados

dentro das abarrotadas

niqueleiras das pálpebras

ela me diz que no ano passado

perdeu a cabeça do fêmur

e enumera entre faceira e confusa

as vantagens da prótese de titânio

enquanto tateia aflita a lápide

do remédio na palma

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é cálcio — exclama

levando o comprimido aos lábios

um cintilante cartucho branco

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é uma drágea de hortelã

no frescor escuro do cinema

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