por Pedro Gonzaga
Abro este espaço chamado Poesia em Casa declarando minhas intenções e agradecendo desde já o convite do amigo de vida inteira Eduardo Wolf.
Sou professor de literatura, poeta e tradutor, fui músico, e tentarei juntar aqui estes acidentes para oferecer um pouco do meu trabalho em progresso, mas especialmente apresentar poetas menos conhecidos no Brasil, seja pela dificuldade da poesia de alcançar o mercado editorial, seja pela agrura de encontrá-los entre as cargas de informações, digital e analógica, que nos atingem.
A ideia de Poesia em Casa nasceu da busca de ter em português – para consumo próprio e também de outros leitores – essas joias secretas, pouco vistas, da lira de nosso tempo, de todos os tempos. Outro aspecto contido na proposta é o de, como disse antes, abrir o escritório para mostrar meus poemas em andamento. Cheguei a pensar em chamar o espaço de “Poesia Doméstica”, mas temi que isto lembrasse a alguns as duras atividades do lar (o que não deixa de ser verdade para muitas ocasiões da escrita). Cogitei ainda “Poesia Caseira”, mas me veio, inevitável, a imagem dos doces que minha avó fazia, e nada do que aqui viesse poderia fazer frente àquelas guloseimas já perdidas. Assim, fiquemos com a primeira escolha, e espero que vocês possam vir me visitar aos domingos.
Começo hoje com o poema “Montanhas”, que abrirá meu terceiro livro de poesia, Em outros tantos quartos da terra, a sair pela editora Ar do Tempo, em março de 2017.
montanhas
esqueça os grandes gestos
as montanhas serão sempre selvagens
é no reino das pequenas coisas
que a cortesia surge e se apaga
a delicadeza do cascalho
contra a solidez da rocha
o silêncio da planta solteira
contra a afetação das florestas
o amor do trajeto cotidiano
despercebido na viagem gloriosa
o carinho no corpo adormecido
gratuito demais para ser mensurado
suspeite do amor feito grandeza
o louvor ao tecido e não à trama
a delicadeza da orquídea
contra um buquê de flores mortas
os banhos que o pijama arquiva
contra a maquiagem das festas longas
pois é no reino das pequenas coisas
que o amor governa senhor
de cada súdito seu diminuto
o amor sabe-se uma soma
de tantos desperdícios plenos
para que se concentre em gota
(o sal grudado no fundo do pote
o café perdido no inox da pia
a areia que a vassoura esquece
e o grão de amarelo ouro
deixado na espiga de milho)
para que uns dentes agora mordam
a parte carnuda da orelha
e o dia dos amantes comece