por Pedro Gonzaga
É invariável. É garantido. Estão nos saraus, nas mãos dos jovens aspirantes que finalmente vencem o medo e vêm apresentar seus versos: o metro fixo e o uso de rimas. Depois de mais de um século da revolução combinada de versos livres e brancos, que está na base de uma parte significativa da poesia moderna, parece que a concepção do fazer poético, daquilo que faz de um poema um poema, ao menos para o público leigo, alterou-se pouco. Com um agravante: além do envelhecimento natural das formas, que também toca, claro, a forma mais recente dos modernistas, muitos já não dominam as técnicas que permitiam a justa metrificação, nem a riqueza das rimas dos antigos. Outro mal semelhante a este e mais atual, e por mais atual mais maléfico, que talvez aborde em uma outra coluna, é a cega imitação da poesia de fundo publicitário, dos anos 70 e 80, feita de sacadas e trocadilhos, o que não deixa de ser um formalismo ainda mais rudimentar porque não formal, mas formulaico. Mas retorno à fantasia de que os versos adquiririam maior solidez e beleza ao se utilizarem dos recursos sonoros tradicionais, como se o grande desafio fosse esse (o que nem os parnasianos suporiam): fazer da poesia um ente declamável, ajustado ao tempo e à repetição programada dos sons. Ora, se há uma revolução, apontada por tantos e excelentes críticos nos versos modernos, é a transição do cantado, do declamado, para o falado, ou, acrescento, para o lido. É fato, como dizia o Padre Vieira, que não há juízo sem inclinação, mas só quem não leu a voz falada de Drummond, Pessoa ou Bandeira, pode supor que a voz declamada é mais poderosa do que essas. E nisto reside minha surpresa: donde vem a dificuldade dos praticantes do gênero em aceitar que pode ser desafio até maior compor versos sem amarras, tendo de controlar mais os efeitos sintáticos e as escolhas vocabulares livres, sem a subordinação das escolhas à eufonia, aos sinônimos forçados, às inversões sintáticas em absurdos hipérbatos da poesia tradicional?
Pessoalmente, agradam-me bastante os recursos da métrica, embora não os pratique, mas desagrada-me, em especial, o uso da rima. Depois de tudo, parece-me ingênuo, senão algo que a canção popular há décadas faz muito melhor. Mesmo em Vinicius, que era bastante hábil nas rimas, tantas e tantas vezes tenho a impressão de emergir à superfície do poema ao perceber o barateamento da imagem ou da ideia para que a rima exista, como no exemplo a seguir, no uso de prestante.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Confesso que em língua portuguesa isto só não me acontece com Camões, com alguns românticos, em especial Gonçalves Dias, e algum Bilac. Falo da rima consoante, a que combina sons e letras geralmente ao fim dos versos. A toante, que combina o som tônico da palavra, e por isso visualmente mais sutil, como também menos rígida em suas combinações, nas mãos de um João Cabral produziu grandes efeitos, a lembrar de Morte e vida severina.
Por fim, não deixo de me surpreender com a permanência de uma visão antiquada da poesia, e termino a coluna me perguntando se isto ainda é fruto da má educação para a lírica que se recebe nas escolas, quando se a recebe. Talvez já fosse hora de inverter a relação dos alunos com esta arte milenar. Pois no modo como funciona hoje, seria como propor uma aula de iniciação musical que só se ocupasse dos mestres do passado. Fazer a ponte por meio dos modernistas, depois ensinar os fundamentos da métrica e da rima, e só então mergulhar no passado.
Quem sabe daí não adviesse um novo gosto, uma nova consciência do ofício do verso, e, quem sabe, uma saída para o beco criativo em que nos encontramos.