por Pedro Gonzaga
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Depois de um tempo mais longo do que o desejado, retomo minha coluna no Estado da Arte com a tradução de um dos favoritos da casa, o poeta polonês — talvez o mais importante entre os vivos — Adam Zagajewski. Jardins de Luxemburgo está em uma das recentes coletâneas em inglês (de onde foi traduzido), Unseen Hand (2011). Ei-lo.
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Jardins de Luxemburgo
Os apartamentos de Paris não temem nem o vento, nem a imaginação —
são sólidos pesos de papel,
a antítese de sonhar.
Brancos barcos trilham o rio, abalroados de gente
exigindo saudações das margens;
embaladas pelo champanhe liquidam o passado.
Um par de turistas ricos emerge de um táxi
em trajes luminosos; garçons os servem
em fraques cujos cortes resistem a todas as modas.
Mas os Jardins de Luxemburgo começam
a se esvaziar,
e se tornam um grande e silencioso herbário;
não se lembram de todos aqueles que certa vez
percorreram suas avenidas, sem perceber que estavam mortos.
Mickiewicz viveu aqui, e mais adiante August Strinberg
atrás da pedra filosofal
que nunca encontrou.
A tarde cai. A noite sóbria vem chegando do leste,
taciturna e perturbada.
A noite vem da Ásia, e não faz perguntas.
Ser estrangeiro é esplêndido, um prazer frio.
Luzes amareladas iluminam as janelas do Sena
(eis o real mistério: a vida dos outros).
Eu sei — a cidade já não guarda segredos.
Mas há plátanos, praças, cafés, ruas aconchegantes,
e a visão das nuvens luminosas que morrem lentamente.
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Escolhi este poema por sua amplitude de recursos, por combinar umas quantas virtudes líricas em um só lugar. Enumero-as, na expectativa de que os leitores as reconheçam e, se possível, levem-nas para outras oportunidades.
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1. O olhar dentro do tempo e para além do tempo. (Trata-se de uma simultaneidade temporal, de uma superposição entre passado, presente e futuro que é coisa mais parecida com nossa potência anímica de deslocamento entre o vivido, a vida e o a viver.)
2. A percepção de que o uso da prosa é um recurso poético e não um caminho para o prosaico. (Os versos podem adotar um tom prosaico, como é comum em boa parte da modernidade, mas isto é, antes de mais nada, uma ampliação do campo lírico, uma fibra a ser utilizada na composição dos versos.)
3. O encapsulamento do leitor. (Certos poetas alcançam criar uma voz lírica que expressa simultaneamente a mais íntima impressão de quem a projeta e de quem a ouve, como se fosse possível alguém ser agente é paciente de um mesmo enunciado.)
4. A superposição de acontecimentos. (Recurso clássico da modernidade, levado à perfeição pelos poetas poloneses — penso em Milosz e Szymborska, mas também Herbert, reforça, por acúmulo, o caráter perene da aventura humana.)
5. A afirmação da dúvida. (Forma superior de resistência às certezas em qualquer tempo, a poesia tem um compromisso antes com o mistério, pois mira no insondável. É, de algum modo, um remédio contra os dogmas e toda forma de banalização, de redução da experiência humana.)
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