por Pedro Gonzaga
Poesia em casa começou como uma página de WordPress (ainda ativa), na qual eu registrava traduções feitas a partir do inglês e do espanhol, às vezes do latim e do italiano, dos meus poemas preferidos. Mas os busco em todos os cantos do mundo, mesmo que vertidos. Se estão escritos em línguas desconhecidas ou mais distantes, resta-me transpor de segunda mão. Mas se em prosa as perdas já são irreparáveis, o que dizer da lírica, quando som e forma são fundamentais.
Por outro lado, há muito decidi deixar o purismo da tradução para o trabalhador profissional, coisa que fui, e abracei a ideia de que é melhor conhecer parte do que nada. Sempre que penso num poema da Szymborska (em polonês), Amichai (em hebraico), Wang Wei (em chinês), lembro de São Paulo, que dizia que tudo conhecemos apenas em parte, mas que um dia veremos face à face. Na minha eternidade estará o lugar em que conheceremos todas as línguas. No paraíso estará a compreensão do grego de Kaváfis. Por ora, aqui, vejo apenas a parte. E é desta parte, feita de conteúdo, que traduzo. E mesmo que meu grego mal chegue ao deletrar, ainda assim, confesso ser esse o meu poeta preferido. Como pode, perguntarão alguns. Leiam as traduções disponíveis, há muitas feitas a partir do original, por grandes tradutores, como o nosso José Paulo Paes. Mas leiam também a minha, mesmo que parcial. Pois quanto mais próximos estiverem do gênio desta Alexandria há muito desencontrada de sua glória ao início do século XX, mais perceberão o caráter atemporal de seus versos, a angústia da vida humana que se perde entre cafés e quartos abafados, em especial para alguém, como ele, que precisava esconder seus prazer sexuais, inconvenientes à sociedade do tempo e, infelizmente, de ainda muitos tempos.
Seguidamente, os temas de Kaváfis mergulham na história do helenismo e do império bizantino, elegendo figuras contraditórias, perdedores e malditos como ele, o que permite a criação de retratos preciosos de uma solidão humana que apenas a poesia parece ser capaz de mitigar, a solidão do próprio Kaváfis. Outras vezes, em seus mergulhos no passado, a sátira e o sarcasmo nos revelam os limites dos poderosos, dos grandes mandatários, das gentes civilizadas a quem apenas os bárbaros serviriam de solução.
O poema que escolhi toma o filósofo da Alexandria Amônio Sacas, do início do terceiro século da era cristã, mestre de importantes neoplatônicos, como referência. Ele serve como uma espécie de antagonista para o personagem principal, este um desajustado, um ser que se aproveitará das carapaças sociais, para poder viver, nos interstícios de uma sociedade hipócrita, as delícias de sua secreta liberdade. Se o poema que segue é só uma parte, imaginem o todo.
Da escola de um renomado filósofo
Foi discípulo de Amônio Sacas por dois anos
mas se cansou da filosofia, e também de Sacas.
Seguiu então para política
para ao fim deixá-la. O prefeito era um cretino,
e seu entorno composto por fantoches solenes e pomposos,
mais que bárbaro era o grego daqueles infelizes.
Atraiu um pouco sua curiosidade
a igreja: para batizar-se
e se tornar cristão. Mas logo
mudou de ideia. Se indisporia, era certo,
com sua família, ostensivos gentios,
e não tardariam – coisa horrível – em suspender
sua mui generosa mesada.
Apesar disso, tinha que fazer alguma coisa. Converteu-se em assíduo
das casas de perdição de Alexandria,
de cada oculto antro de libertinagem.
E nisto a sorte se mostrou favorável.
Concedeu-lhe uma aparência atraente ao extremo,
e desfrutou deste dom divino.
Pelo menos por uns dez anos ainda haveria de durar
a beleza. E depois –
Voltar, talvez, para o Sacas.
E se então o ancião estivesse morto,
iria a outro filósofo ou qualquer sofista:
sempre se encontra algum conveniente.
Ou pode ser que afinal regressasse
à política com uma encomiástica memória
das tradições da família,
do dever em relação à pátria, e outras dessas coisas tão altissonantes.