Poesia em Casa – No bazar com Orhan Veli

Pedro Gonzaga apresenta a poesia do escritor turco Orhan Veli.
O poeta turco Orhan Veli.

por Pedro Gonzaga

Tenho para mim que a passagem do leitor iniciante ao experimente se dá pelo tamanho das ambições, ainda que frustradas, de seus sucessivos projetos. Quando amador nas letras, eu pensava, vou ler todos os livros deste autor, ou ainda, vou me dedicar à leitura de contos realistas. Não que seja mal, mas o tempo revela programas mais originais, senão idiossincráticos: ler a maior variedade de poetas, de todos as eras, em busca das tantas maneiras de expressar o movimento lírico. Por isso me importam pouco os dados detalhados de suas biografias (o que se pode notar aqui nas colunas), excetuados os elementos que ajudam a entender melhor suas intenções.

Há anos, pois, minhas maiores alegrias literárias estão em garimpar essas vozes líricas que nunca haviam me chegado, que, creio, não nos chegavam por aqui, reveladoras e únicas, e, ao mesmo toque, surpreendentemente semelhantes. Um bazar. Um variegado e rumoroso bazar, assim gostaria de pensar a composição de Poesia em Casa.

E a imagem, ao menos hoje, não é gratuita. Alguns meses atrás queria ter escrito sobre o poeta Orhan Veli, um dos grandes nomes do modernismo turco, mas terminei tomando outros corredores do mercado. Desde que ele me foi apresentado pelo Paulo José Miranda, passou a ocupar um lugar na minha galeria dos poetas que conseguem dizer de modo tão direto e simples, que sequer temos tempo de perceber o que nos atingiu. Reparem na bandeiriana singeleza deste poema:

Este tempo adorável me levou à ruína,

Foi num tempo belo como este que me demiti

Do escritório da Pious Foundations.

Peguei o hábito de fumar num tempo como este

E foi num tempo assim que descobri o amor:

Foi num tempo como este que me esqueci

De levar pão e sal para casa.

Vez após vez, neste tipo de tempo

Minha doença de versificar recrudesceu.

Este tempo adorável me levou à ruína.

Antes de Veli, meu poeta turco era outro mestre modernista chamado Nazim Hikmet, que, de algum modo, me parece bem mais ligado à tradição da grande poesia persa, com suas imagens fulgurantes e naturais, como se pode notar no belo poema “Para Vera”:

Um árvore se ergue dentro de mim…

Eu a trouxe ainda em muda do sol.

Suas folhas fremem como peixes, como chamas,

e seus frutos cantam como pássaros.

Os cosmonautas já aterrissaram

na estrela dentro de mim.

Eles falam uma língua que já ouvi em sonhos:

Sem autoritarismo, jactância, ou lamúria.

Uma estrada límpida me atravessa por inteiro

aberta a formigas que carregam grãos de trigo

e a caminhões de foliões gritando vivas

mas fechada a todos os cortejos fúnebres.

Dentro de mim, o tempo se mantém estático

como a mais adorável e vermelha das rosas.

Então chega a sexta-feira, amanhã o sábado,

ou mesmo o fim já se divisa – e nada disso me importa.

A inegável beleza das imagens que se abrem nos versos de Hikmet são quase a antípoda da secura de Orhan Veli. Mas, a bem da verdade, um sinal do amadurecimento de um leitor, me parece, mais até do que a sofisticação (ou loucura) de seus projetos, é não ter de fazer escolhas quando escolhas não são necessárias. Ou não há equivalente poder imagético na concisão do poema que segue?

Êxodo I , por Orhan Veli

Da janela dele olhando através de telhados planos

O porto podia ser visto

E os sinos das igrejas

Tocavam o dia todo sem parar.

De vez em quando,

E à noite

Trens podiam ser ouvidos de sua cama.

Ele começava a se apaixonar pela garota

Do apartamento da frente.

Mesmo assim

Ele deixou esta cidade

E se foi para outra qualquer.

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