Três poemas sobre a memória
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por Pedro Gonzaga
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Na edição desta semana de Poesia em Casa, trago três poemas que estarão em minha próxima coletânea, chamada O nome da parte que não dorme. Em função do momento em que estamos, o livro espera hora mais propícia para se materializar. Optei por selecionar o material mais recente, afinal lá se vão quase quatro anos de versos guardados.
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um nada e outro
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o hotel ficava atrás de um posto de gasolina
em cima de um restaurante de caminhoneiros
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os quartos cheiravam a costela requentada
nas paredes a tinta mal cobria o reboco
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ao cair da noite os grilos pareciam animados
faltavam ainda quatro horas para o show
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o calor era um bloco de ar gelatinoso
cortado inutilmente pelas pás do ventilador
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conversávamos de uma cama para a outra
o pequeno televisor ligado num canal qualquer
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havia tempo demais para tomar banho e suar
preparar o traje e afinar os instrumentos.
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tantos anos depois aqui nesta noite abafada
é raro ter esquecido do clube e das canções
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talvez a memória goste mesmo é das esperas
daquelas horas vividas entre um nada e outro
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juventude
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o escândalo da pele desconhecida
a solidão no canto das festas
mas não naquela noite —
usavas franja e sardas
o beijo de álcool e açúcar
as coisas antes de sabê-las
a resistência do último tecido
a perversa invenção dos elásticos
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arenales
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enquanto a tarde se inclina
entre os prédios da arenales
aquilo que foi matéria
voltará somente em palavra
ou na certeza inútil da memória
esta cabine pornográfica
inacessível aos outros
prazerosa e constrangedora
com sua verdade simples de frequentar
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