Uma defesa de Paulo Coelho

Queiram ou não, ele representa o Brasil para além dos corredores acadêmicos. Isso deve ser respeitado e estudado.

por Thiago Blumenthal

Deus significa amar aos outros como a gente ama a gente.
Quem não sabe perdoar só sabe coisas pequenas.

A princípio não sabemos, mas estamos diante de dois trechos de dois autores dos mais estimados hoje, e que educadamente não citarei o nome. Um vivo e outra morta. Contudo, sei que apostariam tratar-se de uma frase de Paulo Coelho. E com certo tom de deboche. Pelos motivos errados. Explico.

Se há um autor com o qual podemos comparar Paulo Coelho é William Shakespeare. Autor mais traduzido do mundo, decerto o mais pirateado (temos números para a pirataria?), Coelho ainda é uma espécie de aberração entre os acadêmicos brasileiros. Mesmo estando na Academia Brasileira de Letras desde 2001, a imprensa nacional e a universidade ainda o desprezam. Quando eu estava na graduação em letras, lembro-me de ter questionado uma professora sobre o autor e sobre o impacto da sua cadeira na ABL. Não obtive nenhuma resposta, como sei que não a obteria hoje, passados tantos anos. Um sonoro silêncio.

Não são poucos os títulos de Coelho, sendo o mais celebrado o de Cavaleiro da Legião de Honra da França. Não é pouca coisa, quanto mais para um brasileiro. Prestes a lançar seu Hippie, a Companhia das Letras enfim cedeu ao status de maior autor brasileiro vivo (ou mundial?) e relança também toda a sua obra. Seria o reconhecimento tardio de um autor injustiçado? Creio que sim e creio que não.

Injustiçado não é. A maior conquista de todo autor é ser lido e no Brasil ele é muito lido. Menos que fora daqui, em especial na Europa, onde é uma espécie de celebridade mítica, mas ainda assim muito lido. Contudo, a injustiça se dá por seus pares e pelos críticos de sua obra. Tenho para mim que passou a hora de ler Coelho, estudá-lo. Há quem estude autores muito menores, mais chatos, ultratediosos, com a salvaguarda da qualidade estética. Só o termo já é desprezível: “qualidade estética”.

Não. É uma desculpa fajuta e muitas vezes estão muito distantes de uma investigação mais ponderada sobre o autor de O Alquimista. Não se trata de gosto, ou deleite literário – há isso, afinal? –, mas antes de uma exploração mais aprofundada de sua obra. Deixem o gosto ou o deleite ao leitor. O grande Mickey Sabbath já diria que, mais do que quatro anos em Brown, aprende-se muito mais de creative writing nos puteiros da Bahia. Difícil discordar.

Há uma ideia bastante errada na academia, que é a de tratarmos de obras e de autores dos quais mais gostamos. Não há um distanciamento subjetivo adequado do objeto de estudo, e geralmente quem estuda Harper Lee a considera a melhor autora do universo, o que é uma grande piada. Estude Harper Lee, mas contenha-se.

Ainda sobre sua obra ser relançada integralmente pela Companhia das Letras, fica a questão: por que pelo selo Paralelo? Ou seja, desse modo, foi mesmo um reconhecimento do autor? Ou ele foi colocado no time B. Vale colocar Coelho ao lado de Raduan Nassar? Para a casa editorial, não é este o momento. Uma pergunta cujos desdobramentos iremos acompanhar nos próximos meses, ou anos. E, aliás, por que Coelho aceitou sair pela Paralela, selo este dedicado a obras de autoajuda? Pudesse eu entrevistá-lo, seria a minha primeira pergunta.

Assisti ao programa Conversa com Bial recentemente em que o apresentador entrevista Coelho. Bial não pega pesado com o autor, mas levanta a questão da crítica, que nunca o considerou. Coelho responde que, queiram ou não, ele representa o Brasil, para além dos corredores acadêmicos. E representa mesmo. Isso deve ser respeitado, e, mais, estudado.

Há uma abordagem autocrítica na fala calma de Coelho diante de Bial, de alguém que domina seus leitores (de Barack Obama a Vladimir Putin – pergunto-me se Trump o lê?) com as palavras, artifício-chave da literatura, como no ilusionismo. Diz que escreveu material de qualidade muito ruim, sob efeito de drogas. Em uma clara campanha antidrogas, Coelho afirma que, quando pegava aquele material para ler posteriormente, via o quão ruim estava. Estamos diante de alguém que sabe o que fala.

Coelho experimentou de tudo e tantas vezes escreveu com a cabeça cheia de maconha e de LSD – só não se arriscou diante da cocaína (afirma no documentário Quebrando o Tabu que quando sentiu a cocaína bater pela primeira vez parou e viu que não podia brincar com ela). Eis um relato interessante, um homem inteligente. E que passa para o papel, mais do que as jornadas de homens e de mulheres em busca de si mesmos, mas uma pergunta que fica sobressaltando a cada livro fechado: qual o sentido da vida? De novo, não é pouca coisa. Como ocorre com o protagonista de O Diário de um Mago, há de buscar-se perguntas e respostas na simplicidade da vida, não em sua complexidade.

Borges disse que há apenas quatro tipos de histórias para contar: um amor entre duas pessoas, um amor entre três pessoas, a luta pelo poder e uma viagem. Todo o resto é uma enorme variação sobre os mesmos temas. Com 220 milhões de exemplares vendidos no mundo todo, Coelho parece reescrever por linhas tortas a lei de Thelema, de Aleister Crowley, de fazer o que queres pois há de ser tudo da Lei, quebrando as paredes do visível para o invisível.

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