por Leandro Oliveira
Ouçam e vejam atentamente esta performance. É boa ou não? Antes de seguir com a leitura, por favor responda essa pergunta a si mesmo.
Patricia Kopatchinskaja é uma violinista de prestígio internacional, que atualmente ocupa o lugar de uma das figuras mais interessantes – leia-se, não convencional e controversa, o que não é necessariamente a mesma coisa – do mundo da música clássica contemporânea.
Essa performance foi recebida por alguns como a de um clown; para outros, a de um gênio.
O vídeo em que ela está tocando o finale da “Tzigane”, de Maurice Ravel, causou celeuma justamente por registrar aquilo que dividiu parte da crítica e, eventualmente, do público. O ponto de discussão se dá por questões muito objetivas que estão para além do gosto; explicitá-las talvez seja um bom modo de explicar para o grande público como funciona o ouvido da crítica especializada.
O ouvido da crítica se organiza entre duas verdades: a do “texto” e a da “performance”. São estas, fundamentalmente, as variáveis em jogo na avaliação de uma apresentação ao vivo de música clássica. O texto responde, com muitas contradições internas e referências abertas, ao que podemos supor ser a intenção do autor; a performance, por sua vez, responde à parte não desprezível mas absolutamente única que é a personalidade do músico executante (que, na música clássica, é também um intérprete). As duas verdades que dividem os ouvidos críticos são, portanto: a fidelidade ao texto – portador da Mensagem, com “M” maiúsculo – e a espontaneidade do intérprete; é entre a sinceridade e a autenticidade que pendem nossos corações românticos, e as mentes da crítica se esforçam para balancear essa equação.
Kopatchinskaja é uma violinista excepcional, e em nenhum momento a discussão se propõe a avaliação sua capacidade técnica. Tocar afinado, a tempo, definir com precisão ritmos, ter destreza digital e controle de variações tímbricas: isso tudo é o dever de casa de todo músico profissional; e profissional ela é.
A questão está em outro nível, e nisto seu interesse, e nisto sua controvérsia: até que ponto podemos nos ver convencidos de sua performance, atentos ao ato da execução de sons? E outra, que a esta altura o leitor já descobriu: até que ponto podemos nos ver convencidos de sua performance, atentos ao texto de Ravel?
Essas são as perguntas que me intrigam. Cada crítico se posiciona a partir delas, mesmo que não explicitamente.
Para comparar versões bastante distintas, recomendo outra performance de Patricia Kopatchinskaja, uma da Anne Sophie Mutter e uma de Maxim Vengerov.
A partir da década de noventa, passa a vigorar uma terceira forma de avaliação, até então muito comum entre melômanos, mas que, pouco a pouco, ganha espaço nos veículos especializados, e, por isso, já conta hoje com certa gravidade. Ela diz respeito à crítica que constrói critérios a partir de gravações. Podemos assumí-la, é claro, como uma terceira via – problemática por vários motivos que infelizmente não cabem no presente texto.