Espontaneidade e método

Nos concertos desta semana (quinta e sexta, 21h e sábado, 16h30), o maestro brasileiro Isaac Karabtchevsky volta a reger a Osesp em programa com obras de Bach e Villa-Lobos, na Sala São Paulo

Por Leandro Oliveira

Nos concertos desta semana (quinta e sexta, 21h e sábado, 16h30), o maestro brasileiro Isaac Karabtchevsky volta a reger a Osesp em programa com obras de Bach e Villa-Lobos, na Sala São Paulo.

A “Sinfonia nº 2 — Ascensão”, de Heitor Villa-Lobos será apresentada esta semana na Sala São Paulo.

A “Sinfonia nº 2 — Ascensão”, de Heitor Villa-Lobos, sem dúvida é o destaque. Como tenho dito em todas as aulas que antecedem os concertos da Osesp, não estamos acostumados ao Villa sinfonista antes de mais nada por não termos como ouvi-lo. Deve-se ressaltar também que entre muitos resiste a ideia de estar entre as maiores qualidades do compositor a espontaneidade, que aflora no ciclo dos Choros, e em alguma parte dos seus primeiros quartetos de cordas. Não seria exigir muito do brasileiro, rigor ou método de formas como o concerto ou sinfonia?

Mas a integral das sinfonias de Villa-Lobos que está sendo gravado diligentemente pela Osesp tem mostrado que há ainda muito a ser desvelado deste grande mestre da música brasileira. O ciclo é, por si só, histórico.

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A despeito dos naipes flagrantemente descoordenados no “Dom Quixote” – o que pode ter sido causado por diversos fatores, inclusive a acústica particular para os músicos de dentro do palco da Sala São Paulo – Kent Nagano e Gaultier Capuçon foram bastante hábeis em mostrar que a Filarmônica de Hamburgo é capaz de explorar toda a gama de sonoridades – não os humores – exigidos pela partitura de Richard Strauss. Elogio a palheta de cores, mas a estrutura relativamente complexa da obra pareceu ser um empecilho para uma versão convincente do drama desta versão do “Cavalheiro de triste figura”.

Digo isso pois forma e sentido harmônico são coisas intrinsecamente relacionadas, e o caso é que embora cultive uma permanente qualidade aveludada para o som da orquestra, timbres e equilíbrio sofisticados, Nagano parece ser um maestro com pouca sensibilidade harmônica. Senão isso, como poderíamos explicar sua opção deliberada por um certo excesso de cálculo em tudo que faz? O caso é que, aquilo que talvez possa parecer qualidade positiva para algum repertório do século XX pode também traduzir-se no melhor dos casos, em frieza emocional. No pior deles, a falta de organização tonal leva certo repertório à desconexão das “grandes linhas”, à falta mesmo de sentido estrutural quando na música do século XIX.

Se em “Dom Quixote” o efeito foi ligeiramente desconcertante, com o “Prelúdio e Morte de Amor de Tristão e Isolda” ficamos à ante-sala do anticlímax. Quando tudo é tomado por este anacrônico espírito “modernista”, não-emocional, vemos a interpretação contaminar-se por frases sem ênfase natural, pathos sem risco; ouvimos um Wagner despido de Eros, “cool”, talvez, mas não completamente inteligível nos seus próprios termos.

Assim, mesmo dedicando-se Mihoko Fujimura por tantos anos ao repertório wagneriano, pensei vê-la incapaz de escapar da leitura “objetiva” de Nagano. Antevi um desastre – pois não são as paixões arrebatadas o fio-condutor das Wesendonck-Lieder? Mas, a despeito de uma primeira canção evidentemente ansiosa, o resultado foi de fato muito particular e interessante. Talvez Mihoko não tenha a voz flexível que de algum modo poderíamos desejar para este repertório, mas se havia alguma reticência quanto à qualidade de sua musicalidade ela se esvai com “Im Treibhaus” – a partir de onde solista e orquestra decolam com muita habilidade para o mundo emocional especial destas canções. Um final tocante, embora nunca sem deixar de parecer por demais planejado, provocou aplausos veementes e merecidos do público.

Por fim, Kent Nagano e a Filarmônica de Hamburgo apresentaram um Bruckner e, como era de se esperar, o mestre austríaco apresentou-se de rédeas controladas. O fato é que Bruckner talvez seja o compositor da temporada paulistana que, à luz das decisões interpretativas de Nagano, menos se ressentiu. O som opulento lhe cabe muito bem, e as dinâmicas em níveis recebem sem grandes ofensas um certo rigor de planejamento. Mas sim, foi perturbador ouvir a orquestra resistir a rechear-se de modo mais contundente nos crescendi voluptuosos que, imagino, seria capaz de dar. Era como ver um grande animal domado: um prazer talvez ligeiramente sádico, mas não sem interesse.

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