Falando de Música

O maestro norte-americano Kent-Nagano (divulgação)

por Leandro Oliveira

Foi antes de tudo pelas gravações históricas dos anos trinta e quarenta, sob a batuta do célebre maestro alemão Eugen Jochum, que tomei conhecimento da Filarmônica de Hamburgo. Dedicadas a Anton Bruckner, essas gravações são o ponto de partida fonográfico de Jochum e de sua atividade como missionário do compositor austríaco. É a partir da Filarmônica de Hamburgo que Jochum constrói as imperdíveis integrais com a Filarmônica de Berlim, Concertgebouw de Amsterdam ou Staatskapelle de Dresden — minhas preferidas.

O que impressionou nessas gravações? A Filarmônica de Hamburgo já preservava a qualidade do tempo razoavelmente flexível, a permitir a orquestra uma potência sonora homogênea em todos os matizes de intensidade, as construções melódicas naturais mas engenhosas, nunca afetadas, o sentido de drama inequívoco que jamais perde um certo tom elegíaco, austero talvez. Em suma, Jochum em Hamburgo deu a Bruckner a nobreza de caráter e densidade emocional que marcaria a história de suas gravações – e com elas, da recepção da obra do compositor, desde então.

Com Jochum e a Filarmônica de Hamburgo (sob diversos nomes comerciais), são quatro registros da obra de Bruckner: a Quinta Sinfonia em 1938, a Quarta Sinfonia em 1939, a Terceira Sinfonia em 1944 e finalmente a Oitava sinfonia em 1949. Esta última, definitivamente assombrosa, arrisco sugerir, será uma espécie de benchmarking para todas as versões que vieram ao mercado clássico no pós-guerra. O que quero dizer: quando modernamente ouvimos Bruckner, avaliamo-lo a partir da sonoridade da orquestra de Hamburgo alcançada nestas gravações de 1949. Sim, pois embora, no mesmo ano, Furtwangler fizesse com a Filarmônica de Berlim a sua própria gravação da Sinfonia 8 – também ela muito impressionante -, será a meu ver a partir de Jochum e Hamburgo que encontraremos o fio para aquela série de leituras que se mostrará a mais consequente e consistente da obra do compositor.

A Filarmônica de Hamburgo apresenta-se na próxima semana na Sala São Paulo, em concerto promovido pela Sociedade Cultura Artística, dias 26 e 27 de setembro. É claro, trata-se de um grupamento muito diferente daquele de Jochum, mas o interesse é evidente. A orquestra, fundada em 1828, tem no seu histórico um relacionamento íntimo com a célebre Quinta Sinfonia de Tchaikovsky (dedicada precisamente, ao mentor de sua Sociedade mantenedora, Theodor Avé-Lallemant), e é hoje muito mais que uma instituição de passado glorioso, seguindo em atividade invejável.

Desde Jochum, a orquestra contou entre seus chefes com nomes importantes como os de Wolfgang Sawallisch (1961-1973), Gerd Albrecht (1988-1997), Ingo Metzmacher (1997-2005) ou Simone Young (2005–2015). Seu som foi bastante transformado. Em 2015, o norte-americano Kent Nagano assumiu a direção da orquestra. Famoso pela colaboração com alguns grandes nomes da música de nosso tempo – figuras diferentes como Olivier Messiaen, Frank Zappa, Katja Saariaho ou John Adams – Nagano jamais me encheu os ouvidos e por muito tempo saiu do meu radar. Esteve recentemente (2013) com sua outra orquestra, a Sinfônica de Montreal, na mesma Sala São Paulo, e tanto o programa quanto a performance foram bastante estimulantes. Voltei a olhá-lo com certa curiosidade, desde então.

O programa da semana paulistana é alemão, e isso não é irrelevante. Contando com Richard Strauss, Brahms, Wagner e Bruckner, acaba por me deixar inquieto: afinal, como soará o casamento entre todo o peso desta tradição germânica, encarnada pela Filarmônica e sua gloriosa história, com a boa índole do maestro californiano de origem oriental que fez carreira com repertório de vanguarda?

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Já a Osesp apresenta esta semana a Sinfonia em Dó Maior de Georges Bizet. O compositor das óperas “Carmen” e “O Pescador de Pérolas” criou sua sinfonia aos dezessete anos, provavelmente como parte dos estudos no Conservatório de Paris – a peça ecoa de modo muito curioso a Sinfonia de seu mestre, Charles Gounod. E assim como a obra de Gounod, jamais entrou para o grande repertório – provavelmente sequer Bizet imaginaria que devesse entrar.

Sua estréia se dá apenas na década de trinta do século XX. A despeito da estrutura por vezes esquemática, a peça tem belíssimos achados. A grande engenhosidade melódica do compositor, por exemplo, já se demonstra de modo inequívoco. Uma curiosidade para cinéfilos: seu adagio está presente na cena de “La Grande Belezza”, à ocasião da visita  noturna aos palácios romanos.

A regência é de Nathalie Stutzmann, e o programa conta ainda com a apresentação da pianista Khatia Buniatishvili no Concerto para piano de Robert Schumann.

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