Falando de Música

Notas da semana

por Leandro Oliveira

Numa entrevista com o professor Frederico Lourenço, responsável pela cátedra de Estudos Clássicos, Grego e Literatura Grega na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, vem lá pelas tantas, a pergunta:

[O senhor] disse numa entrevista que aprendeu a tocar piano e que, embora não tenha seguido a carreira de pianista, não dá esse tempo por desperdiçado. O que lhe ensinou a prática do piano, ou o que assimilou com esse treino, que lhe seja útil como tradutor, estudioso ou docente?

“A grande lição que aprendi com o estudo da música foi a disciplina e a aceitação do trabalho permanente como modo de vida. Um pianista é por definição alguém que, para manter a forma, estuda seis a oito horas por dia, todos os dias, sem fins de semana nem feriados. É uma vida de trabalho. A minha vida é assim também. O que dá sentido à minha vida é o estudo. Traduzir a Bíblia para mim é sobretudo estudá-la a fundo. Tenho pena nesta fase de não ter tempo para conciliar todos os meus interesses e de conseguir reservar um espaço para tocar cravo (já deixei de tocar piano há muitos anos). É uma ginástica grande fazer render um dia em que tenho de dar aulas e, ao mesmo tempo, arranjar espaço para o trabalho de tradução. O facto de o trabalho ser contínuo ajuda a manter a concentração. Se parasse durante duas semanas, levaria mais duas semanas a reencontrar o fio da meada.”

Frederico já trouxera ao português duas impecáveis traduções da Ilíada e Odisséia de Homero. É uma promessa da Flip 2017.

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O pianista franco-canadense Louis Lortie é a atração dos concertos desta semana da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Após uma performance inesquecível da integral de “Os Anos de Peregrinação” de Franz Liszt, no domingo passado, Lortie defende com a Osesp o concerto em Sol Maior de Maurice Ravel.

O programa é francófilo e completa-se com “Bacanal” de Jacques Ibert e “Images” de Claude Debussy. O italiano Enrique Mazzolla, atual diretor da Orquestra Nacional d’Ile de France, é o regente da noite. Mais informações aqui.

Sobre o concerto em Sol de Maurice Ravel, uma passagem preferida do anedotário sobre o compositor, à ocasião da criação do segundo movimento: “Como eu trabalhei, compasso a compasso, para criar a fluência ‘natural’ dessa frase! Quase me matou!”

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Reunidas no Fórum Brasileiro da música de concerto, quinze entidades cariocas lançam um “Manifesto” pela sobrevivência da música clássica no país.

MANIFESTO

“Nos últimos meses o meio musical brasileiro assistiu estarrecido a um verdadeiro desmonte de instituições e equipamentos culturais dedicados à música de concerto, ópera e balé. Presenciamos a extinção de conjuntos como a Camerata Aberta, a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo e a Orquestra Sinfônica de São José dos Campos (SP); a paralisação das atividades dos corpos artísticos do Teatro Guaíra (PR); ao cancelamento de eventos como o 38º Curso Internacional de Verão de Brasília e a 35a Oficina de Música de Curitiba, a drástica e generalizada redução dos orçamentos de custeio, que afetaram, dentre outros, o Theatro São Pedro (SP), o Festival Amazonas de Ópera e a Bienal de Música Brasileira Contemporânea. Na capital da República, segue fechado e inativo o Teatro Nacional Cláudio Santoro. Por todo o Brasil conjuntos sinfônicos e instituições musicais lutam para viabilizar suas temporadas com os recursos disponíveis. A crise no Rio de Janeiro, Estado que enfrenta as maiores dificuldades dentre os entes federativos, é ainda mais dramática com a paralisação das atividades da Orquestra Sinfônica Brasileira e parcelamento ou atraso dos vencimentos dos servidores da Fundação Teatro Municipal, afetando profissionais que lutam para receber seus salários, sacrificando suas famílias e carreiras.

“Ela atinge tanto instituições geridas e apoiadas diretamente pelo Estado quanto aquelas administradas por organizações sociais. Não há modelo que funcione sem uma Política Cultural séria, com planejamento e objetivos definidos, de longo prazo, e gestores públicos probos e comprometidos em garantir sua execução e sustentabilidade. A situação atual trará consequências ainda mais perversas ao frustrar os sonhos e esperanças de milhares de jovens que se dedicam à música nos projetos sociais, conservatórios, escolas e universidades, mas que não vislumbram hoje perspectivas de inserção profissional.

“Urge que nos mobilizemos para salvaguardar um patrimônio artístico e cultural que é de todos os brasileiros, que foi construído no decorrer de nossa história e contribui para o próprio processo civilizatório do país. Não podemos permitir que a atual crise apague o legado das gerações passadas, frustre os sonhos dos jovens e seja negado às futuras gerações. Com o intuito de reafirmar a importância e o valor da música de concerto na cultura brasileira, as entidades musicais aqui reunidas convidam todos a aderir ao movimento de valorização de artistas, professores e gestores na área da música, preservação de orquestras, teatros, instituições de ensino musical, organizações artísticas voltadas à promoção e produção de concertos, recitais, e temporadas de ópera e balé.

“Somente o clamor da sociedade civil em defesa de seus direitos poderá levar o poder público a cumprir o seu dever e reconduzir a Cultura à posição central da vida do país.

“Entidades reunidas no Fórum Brasileiro da Música de Concerto que assinam o presente manifesto:
Academia Brasileira de Música
Academia Lorenzo Fernandez
Associação de Canto Coral
Associação do Corpo de Baile do Teatro Municipal do RJ
Associação do Corpo Coral do Teatro Municipal do RJ
Associação dos Músicos da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do RJ
Associação Orquestra Pró Música do Rio de Janeiro
Comissão de Músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira
Conservatório Brasileiro de Música
Escola de Música da UFRJ
Instituto Villa-Lobos da UNIRIO
Orquestra Johann Sebastian Rio
Orquestra Sinfônica Nacional da UFF
Seminários de Música Pró-Arte
Sociedade Musical Bachiana Brasileira”

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