por Leandro Olvieira
A apresentação pela Osesp da “Sinfonia nº 7 em Dó Maior, Op.60 – Leningrado” de Dimitri Shostakovich e as últimas notícias da pianista venezuelana Gabriela Montero, à ocasião de um concerto na Komische Oper de Berlim, suscitaram – talvez justificadamente – a seguinte questão: até que ponto com a música podemos falar de política?
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Do post de Gabriela Montero no Facebook:
“O que aconteceu com o meu concerto na Komische Oper Berlin?
Há muitas maneiras de quebrar o silêncio que envolveu a tragédia venezuelana durante tantos anos. O que aconteceu na Komische Oper em Berlim na sexta-feira (dia 30 de junho), quando Mirga (Gražinyt?-Tyla, a regente do evento), a orquestra e eu estávamos prestes a começar o Concerto No. 1 de Tchaikovsky, foi tão surpreendente quanto desesperada e profundamente comovente.
Para nossa surpresa, um homem e uma mulher venezuelanos sentados na primeira fila da esquerda se levantaram e começaram a cantar o hino nacional venezuelano. Estávamos todos atordoados. Virei-me para ouvir, observar e admirar a coragem que deve ter permitido a essas duas pessoas quebrar o silêncio, a aura sagrada deste templo da música clássica.
Quem se atreve a fazer tal coisa? (…)
Depois de alguns minutos de escuta atenta por parte do público, o que eu agradeço muito, pois a maioria deles não entendia do que se tratava aquele ato de protesto e grito desesperado, Mirga começou o concerto. Eu fui para o piano e comecei a tocar a mais dolorosa e poderosa interpretação deste concerto que já dei.
Depois de aplausos, como normalmente, eu peguei o microfone antes de dar o bis. Usava em volta do pescoço um colar que tinha feito com as cores da bandeira de Venezuela. Sentei-me para explicar ao público o que tinha acontecido. Comecei dizendo: “Eu quero explicar o que aconteceu. Esse casal, que não conheço, entoou com grande coragem o nosso Hino Nacional para lembrar ao mundo que, fora destas paredes, da segurança da sala de concertos, há muitas pessoas que estão sofrendo. Nosso país, Venezuela, está sofrendo e passando por seus mais terríveis dias”.
Naquele momento um homem gritou de um dos balcões, em alemão, ‘este não é o lugar para discutir política’. Imediatamente respondi alto e claro que ‘se a música não tem a ver com a humanidade, então isso não significa nada’. O público me apoiou com aplausos, explicitando que entendeu a minha mensagem. (…)”
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O musicólogo norte-americano Richard Taruskin, recentemente vencedor do Kyoto Prize, comenta que
“há simplesmente muita coisa na música instrumental de Shostakovich que é fortemente marcada – que ressoa, como a música de Beethoven ou Tchaikovsky, com gêneros característicos e funcionais, com a iconicidade convencional da emoção, com alusão intertextual, com descarada violência – para nós para que duvidemos que, no fundo, ele compartilhou a fé da sua sociedade na realidade do conteúdo latente. No entanto, ao contrário dos críticos socialistas-realistas que tentaram catalogar, e assim circunscrever suas ‘imagens’ e ‘entonações’ (…) Shostakovich insiste em manter latente seu conteúdo latente – ou seja, instável.
A aura mais espessa e a mais barulhenta Babel – uma verdadeira Babel internacional, em muitas línguas – foi criada em torno da Sinfonia Sétima (“Leningrad”) desde que a partitura autógrafa do compositor foi microfilmada e voou para Nova York, via Teerã e Cairo, aos braços da grande febre histérica da publicidade de guerra, para desempenho sob regência de Arturo Toscanini. A performance de Toscanini foi transmitida em 19 de julho de 1942, para uma audiência de milhões de pessoas, incluindo o Sr. e Sra. Stravinsky, em Hollywood, que, aprendemos com o diário dela, ficaram em casa para ouvir a transmissão (…).”
Como bem nos lembra Taruskin, as performances da obra de Dimitri Shostakovich, “tanto em casa como no exterior, foram tanto eventos políticos quanto musicais. A música serviu à política, ou a política serviu à música? A música estava explorando a política, ou a política explorava a música? Ou, o pior de tudo, foi a própria distinção entre política e arte (ética e estética) que passou a ser menosprezada?”.
“Eu não sei o que será dessa peça”, teria dito Dimitri Shostakovich sobre a sua sétima sinfonia, depois de tocar o primeiro movimento em agosto de1941. “Os críticos certamente me repreenderão por imitar o ‘Bolero’. Bem, deixe-os: é assim que eu ouço a guerra”.
A banalidade do “Bolero” e a guerra. Seja como for, é esse apelo “extra-musical” que representava o sucesso da sinfonia. Se para nós for possível aproximarmo-nos da obra, é na política que devemos encontrar os condicionantes da história de sua recepção.
A Osesp apresenta-se com a “Sinfonia nº 7 em Dó Maior, Op.60 – Leningrado” de Dimitri Shostakovich nos dias 07, 08 e 10 de Julho na Sala São Paulo. Dia 09, ela estará no Auditório Claudio Santoro em Campos do Jordão. A regência é da diretora musical Marin Alsop. No “Minuto Osesp“, Mônica Waldvogel conta um pouco da história dessa peça comovente.