por Leandro Oliveira
Entre as curiosas ironias da vida nos trópicos está a de iniciar a própria temporada musical com a atualização da programação das grandes instituições do hemisfério norte. Pois enquanto o leitor tira o blazer do armário para o incrível Festival Villa-Lobos esta semana na Sala São Paulo, acaba por ler em seu Facebook a temporada do centenário da Filarmônica de Los Angeles. E cai-lhe o queixo!
A primeira surpresa é da encomenda de mais de 50 obras – o maior investimento da história em música nova por parte de uma única orquestra sinfônica para uma temporada. Com uma visão eminentemente cosmopolita – a qual os críticos atuais gostam de chamar de “multicultural” –, serão executadas obras de alguns entre os nossos conhecidos como Tan Dun, Unsuk Chin, Thomas Adès, Philip Glass e Hermeto Pascoal, além da estréia mundial do concerto para piano de John Adams, com Yuja Wang como solista. Muito além dessa “aposta no futuro”, conforme os termos comunicados pela própria orquestra, a temporada conta ainda com a participação de Zubin Mehta (na integral de sinfonias e concertos de Brahms) e Esa-Pekka Salonen (numa maratona Stravinsky de três concertos, de tirar o fôlego) – ambos ex-diretores musicais e figuras queridíssimas da Filarmônica.
São programas inventivos, que equilibram tradição e inovação. Sim, há muita técnica de programação ali. Adès será ouvido antes Mozart; Steve Reich antes de Mahler. O organista pop Cameron Carpenter participa do concerto de Poulenc e depois se junta às forças da orquestra (o verdadeiro centro do espetáculo, afinal) na terceira sinfonia de Camille Saint-Saëns; os solistas Jean-Ives Thibaudet (piano), Xavier de Maistre (harpa) e Cynthia Millar (ondes martenot) dividem o palco num evento desde já memorável, com a estréia americana de “Trans”, peça para harpa e orquestra de Kaija Saariaho, e a monumental “Sinfonia Turangalîla” de Olivier Messiaen.
A Filarmônica faz em seu centenário uma curadoria distante da programação cheia de referências conceituais que entrou em voga pelo mundo na década de setenta. Até hoje, não são incomuns as temporadas temáticas, com eventos que funcionam como aulas chiques, onde cada obra deve conectar-se às outras por referências mais ou menos engenhosas (geralmente, tão engenhosas que sem “bulas” seguiriam indecifráveis). A temporada da Filarmônica de Los Angeles oferece a seu público uma ideia não muito original, mas revigorante: a dos concertos como espetáculo, onde os astros não são conceitos abstratos mas os músicos e a música, e o palco um espaço para a propagação daquilo que é excelente. Operando a partir de um sentimento difuso, entre a celebração e o excitamento, o mesmo que temos ao anúncio de eventos eletrizantes como, por exemplo, os bons shows do Rolling Stones ou as primeiras edições da Festa Literária Internacional de Paraty, a temporada 2018/2019 da Filarmônica de Los Angeles “boquiabriu” a muitos no universo sinfônico internacional.
Não é algo fácil de reproduzir. Digo sem medo de errar que em sua festa de centenário, a orquestra reuniu o mérito raro de comemorar também o seu apogeu: a Filarmônica de Los Angeles é hoje como nunca antes uma “banda” com orgulho de si, e que viu seu board construir nos últimos anos uma relação de enorme carinho com seu público e stakeholders. Vaidade e capilaridade na medida certa, é isso que sua programação expressa.
E claro – a cereja do bolo, encomendada lá atrás, por uma das mais brilhantes administradoras de orquestra da história, Deborah Borda –, ela ainda conta, no pódio, com o seu próprio Mick Jagger, que atende pelo nome de Gustavo Dudamel.