por Leandro Oliveira
A Paixão Segundo São Mateus BWV244 (Passio Domini nostri Jesu Christi secundum Evangelistam Matthaeum) é, sem dúvida, a mais importante contribuição de J. S. Bach para a história da música. Com duração ligeiramente superior a 3h, foi apresentada de algum modo em 11 de Abril de 1727, e acabou por estrear dois anos mais tarde, no dia 15 de abril de 1729. Ao longo da vida do compositor, foi repetida pelo menos mais duas vezes: em 1736 e 1742, sofrendo pouquíssimas revisões em cada uma das performances. Tendo sido esquecida após a morte do compositor, foi descoberta e reapresentada por Felix Mendelssohn, em 1829.
A “Paixão” é uma obra fundamental pois de algum modo sintetiza todas as inquietações – estéticas e espirituais – do compositor. Do ponto de vista estilístico, claro, celebra o apogeu das formas que, em muitas partes da produção do barroco, seguia preservada apenas no ambiente estrito da música litúrgica alemã. Embora tenha um certo componente dramático (operístico?), sua austeridade formal é também o documento de revigoração de todo o rigor e engenho de uma produção, já à época, anacrônica.
Mas para além deste componente, digamos, histórico-cultural, há outro mais pertinente. De certo modo, me é impossível descrever o impacto espiritual da “Paixão” sem entender seu apelo puramente humanístico. Desde seu primeiro verso, o que é invocado parece estar além da doutrina cristã luterana, numa espécie de provocação existencial. Como indica Michael Marissen em seu livro Bach and God, nas “Paixões” o compositor transfere o foco da perfídia dos acusadores para todos nós, agnósticos, protestantes, católicos e judeus igualmente. Bach sugere, entre infinitas outras coisas, uma obra que se movimente também em um universo de inquietação, solidariedade e consolo.
Por isso é que sempre que posso, asseguro as premissas de cada encontro em que preciso falar sobre a obra não apenas nas Escrituras, mas em uma passagem preferida retirada de um dos contos de Jorge Luís Borges, A Forma da Espada:
“Aquele homem com medo me envergonhava, como se fosse eu o covarde, não Vincent Moon. O que um homem faz é como se todos os homens o fizessem. Por isso não é injusto que uma desobediência num jardim contamine a todos; por isso não é injusto que a crucificação de um único judeu baste para salvar a todo o gênero humano. Talvez Schopenhauer tenha razão: eu sou os outros, qualquer homem é todos os homens, Shakespeares é de algum modo o miserável Vincent Moon”.
A Paixão Segundo São Mateus de J. S. Bach será apresentada pela Osesp nos dias 11, 13 e 15 de Abril, na Sala São Paulo. A regência é de Nathalie Stutzman. Uma hora antes de cada performance (19h30 na quinta e segunda, 15h30 no sábado) haverá a palestra do Falando de Música, no Salão Nobre da Sala São Paulo.