Dudamel por um mundo melhor

Há uma grande diferença entre usar palavras como direitos humanos e justiças em seus comunicados de imprensa e de fato incorpora-los através de seus atos.

por Leandro Oliveira

Comentei em meu artigo inaugural que, com tudo andando a contento no mundo da música clássica, seguiria em dezesseis artigos a comentar sobre a música nos filmes do cineasta norte-americano Stanley Kubrick. Com o texto desta semana preparado, vejo-me obrigado a sair do tema; lamento não ser por motivo nobre – e como gostaria de escrever sobre as recentes performances de András Schiff para a Sociedade Cultura Artística, na Sala São Paulo! – mas por um fato político, entre aqueles que a presente coluna jamais absteve-se de discutir: a Venezuela e Gustavo Dudamel.

O ditador Nicolas Maduro veio a público na última sexta-feira, dia 18 de agosto, afirmando esperar o perdão de Deus ao maestro e diretor musical da Filarmônica de Los Angeles. “Bem-vindo à política, Gustavo Dudamel. Mas aja com ética, e não deixe-se enganar. Não ataque aos arquitetos deste belo movimento de jovens meninos e meninas. (…) Não vivemos no exterior, em LosAngeles: vivemos na Venezuela, e trabalhamos pela Venezuela”. O maestro teria traído seu governo – e por óbvio, seu povo.

O pecado de Dudamel teria sido aquele de integrar-se a uma grupo de atletas e celebridades que, em Maio passado, rompeu publicamente com o governo. Era o momento da morte de um jovem estudante de música do El Sistema – morte especialmente simbólica em um ambiente que já contava com quase uma centena de cadáveres por manifestação política. Àquela ocasião, os leitores do “Falando de Música” puderam acompanhar os termos frouxos do vídeo publicado por Dudamel. Fui duro ao momento, a resposta viera tarde e seus termos pouco convictos. Mais tarde, em Julho, o “The New York Times” publicou uma coluna onde pedia pela “fundação de uma ordem democrática que garanta paz social, segurança e um futuro próspero para nossos filhos e irmão” (link aqui) – abstivemo-nos a comentar pois Dudamel já mostrava-se o ator irrelevante que é.

Pois nesta terça, a turnê da Orquestra Simon Bolivar para os EUA foi cancelada. O que seria uma nova oportunidade para o posicionamento inequívoco do maestro, acabou com apenas uma nota no Twitter: “lamento o cancelamento (…) continuaremos a lutar por uma Venezuela melhor e um mundo melhor”.

O mais engajado defensor público da pusilanimidade do maestro venezuelano, o jornalista inglês Norman Lebrecht, lançou um editorial. Antes disso, chamou à ordem alguns entre os tantos atores do mundo da música clássica que costumam defender El Sistema: Julian Lloyd Webber, Sir Simon Rattle, Daniel Barenboim. “Não é hora de silêncio”, diz ele. Quer apoiadores para um fracote moral que tenta – e talvez tenha nessa uma chance de ouro para tal – desvencilhar-se de um regime de sangue, enquanto provavelmente opera para que ninguém fique muito atento a seu passado.

Ao ler que Dudamel “aparentemente ficou impressionado com a persistência das demonstrações públicas em massa contra o regime, e aviltado pelo assassinato de um músico do Sistema”, podemos nos perguntar, claro: e onde estava enquanto outros, não músicos, eram mortos? Nos termos de Lebrecht, preparando uma espécie de beatificação, o maestro é alguém que “ficou de pé pelos direitos humanos e a justiça, e que agora como um verdadeiro artista é fundamentalmente um outsider”.

Já nos comentários um senhor acerta:

“Uma coisa ficou clara na carreira de Dudamel é que ele é moralmente um cordeiro, não um pastor. A maior parte de sua vida dançou as melodias de José Antonio Abreu, cujo oportunismo é legendário, e seus recentes pronunciamentos vieram tarde demais, quando tinha pouca alternativa. Há uma grande diferença entre usar palavras como ‘direitos humanos’ e ‘justiças’ em comunicados de imprensa e de fato incorpora-los através de seus atos. Quando a história da música e da revolução bolivariano for finalmente escrita, Dudamel será retratado como um dos mais efetivos propagandistas e defensores do interesse de alguns músicos clássicos, e não do povo venezuelano como um todo”.

O regente venezuelano Gustavo Dudamel, tem 36 anos. Diretor musical da Filarmônica de Los Angeles, não é uma criança. Se a conexão entre música e o poder gera uma literatura extraordinária, o ex-protegido de José Antonio Abreu, Claudio Abbado, Simon Rattle e Daniel Barenboim, o maestro que tocou em todos eventos oficiais da constituição do regime bolivariano, chorou publicamente no velório de Hugo Chavez, agora convenientemente um dissidente, é hoje um capítulo não menor nessa história.

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