por Leandro Oliveira
A última semana clássica foi encerrada com um caso cujos impactos talvez não possam ainda ser avaliados. Podem, contudo, ser bem profundos.
Tudo tem início em 2012, quando o violista Christopher Goldscheider foi à Justiça contra a Royal Opera House de Londres. Argumentava ter sofrido “choque acústico” durante os ensaios de As Valquírias de Richard Wagner – e que os níveis de ruído do fosso excediam 130 decibéis, equivalente a certos motores de avião. A despeito do uso de tampões de ouvido, sua audição teria sido irremediavelmente danificada.
Na última quarta-feira, a Alta Corte do país deu ganho de causa ao instrumentista, estabelecendo uma “relação causal clara e factual” entre os ensaios e os sintomas da perda da audição. Ela notou que a regulações trabalhistas não distinguem entre os controles de ruído de uma fábrica e uma casa de ópera.
As discussões locais versam sobre a necessidade de músicos de orquestra londrinos serem obrigados ao uso de protetores de ouvido por todo tempo enquanto em trabalho – uma não pequena controvérsia em si; outras medidas dizem da seleção de repertório, que deverá contar com menos obras que exigem sonoridades extremas, como as óperas de Wagner.
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Com regência de seu maestro titular, Roberto Minczuk, direção cênica de João Malatian e iluminação de Mirella Brandi, o Theatro Municipal de São Paulo apresenta a Missa (Mass, a Theatre Piece For Singers, Players and Dancers), uma de suas obras mais idiossincráticas do compositor norte-americano Leonard Bernstein.
Com a participação da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo (OSM), Coro Lírico da Cidade, Coral Paulistano, Coral Infanto-juvenil da Escola Municipal de Música de São Paulo e Opera Studio do TMSP, as apresentações contarão com barítono brasileiro radicado na Inglaterra Michel de Souza.
Desde sua transferência para o exterior, em 2007, Michel de Souza tem atuado intensamente no Royal Opera House Covent Garden e no Le Grand Théâtre de Genève. Sua formação é fundamentalmente brasileira: primeiramente no coral dos Canarinhos de Petrópolis, depois graduando-se em Orgão e Canto pela Escola de Música da UFRJ – e tendo aulas privadas com o tenor Benito Maresca em São Paulo. Michel responde a algumas perguntas exclusivamente para o site.
Imagino que esta é sua primeira participação na Missa de Bernstein. Quais os maiores desafios da partitura e da montagem?
Michel de Souza – Sim, é a primeira vez que canto a Missa. Os desafios são muitos. Para começar, vocalmente. Apesar de o primeiro “Celebrante” [personagem da obra] ter sido Alan Titus (barítono operatístico que cantou papéis como Wotan, por exemplo) não se pode cantar o tempo todo com uma voz operística. A escrita as vezes é pop, uma área com a qual não sou familiarizado. É também muito aguda. Algumas montagens optam por um tenor no papel. Os barítonos que cantam o “Celebrante” precisam negociar muitas questões como cantar em falsete e usar um timbre mais aberto, atenorado por exemplo.
Outro desafio é a própria linguagem musical de Bernstein, com a sua complexidade harmônica e rítmica. Executar as notas, ritmos e harmonias corretas já é em si um grande desafio, especialmente quando você tem um grupo tão grande de músicos de estilos diferentes numa mesma obra.
Como tem sido voltar ao Brasil após tantas produções internacionais?
Michel de Souza – Adoro cantar no Brasil! O carinho dos colegas, do público, das pessoas que trabalham nos teatros, a possibilidade mostrar um pouco do meu trabalho para o nosso público… isso é muito especial. Acho importantíssimo voltar às minhas raízes e não perder esse contato. Sempre que puder e que receber convites virei com muito gosto!
Olhando em retrospectiva, como você avalia a decisão de viver na Europa? Como tem sido sua experiência?
Michel de Souza – Acho que foi a decisão certa no momento certo. Quando fui fazer meu mestrado em 2007, tinha a necessidade de aprender mais, de buscar mais experiência em ópera o que na época n?o era possível por aqui. O primeiro ano foi bem duro, com a adaptação a uma cultura, língua e clima novos como é de se esperar. Mas com o passar dos anos fui me adaptando e virando meio “cidadão do mundo”. Tive oportunidades maravilhosas como o contrato de um ano com a Scottish Opera logo que terminei meu mestrado, e depois a oportunidade que considero crucial na minha vida que foi fazer parte do Jette Parker Young Artitsts Programe na Royal Opera House Covent Garden, teatro pelo qual tenho muito carinho. Ainda hoje em dia preparo papéis e repertório de concerto nesse teatro e volto como solista convidado, o que é um grande privilegio.
Tenho tido a honra de trabalhar com cantores como Jonas Kaufmann, Diana Damrau, Bryn Terfel, Roberto Alagna e o grande e querido Dima Hvorostovsky que morreu recentemente tão prematuramente. E maestros como Simon Rattle, Antonio Pappano, Maurizio Beninni, Leonard Slatkin, Daniel Oren, Plácido Domingo entre outros. Trabalhar com “meus ídolos” tem sido outro sonho.
Alguma história que possa nos lembrar?
Michel de Souza – Jamais vou me esquecer do primeiro ensaio com Sir Simon para Os diálogos das Carmelitas de Poulenc, ou da Tosca, com o maestro Domingo (que foi na época da Copa do Mundo no Brasil, e ele vinha no meu camarim todos os dias antes das récitas para discutir a atuação da seleção espanhola e brasileira – o que me fez agradecer demais pela existência do Google já que não entendo nada de futebol!), do papo animadíssimo sobre técnica de canto com o Kaufmann depois de uma recita de Don Carlo, do Alagna me perguntando se o si natural dele tinha sido legal!
Enfim, não é uma carreira fácil, é como uma montanha russa com muitos altos e baixos. O trabalho é duro e competitivo, há temporadas boas e outras não tão boas em volume de trabalho. Investimos muito em preparação, coaching musical, línguas, cuidados com o corpo. Dependemos de um “instrumento temperamental” que com a mínima mudança de clima pode nos deixar na mão. As viagens são muitas, e o tempo com a família, raro. Rotina não existe. A solidão também pega às vezes. Tendo dito tudo isso, me sinto privilegiado em ter o canto lírico como minha profissão. Não trocaria a minha vida louca e instável por outra mais pacata e ordenada. Me sinto um privilegiado em poder ter deixado o meu país e ter tido todas essas experiências e oportunidades. Acho que tenho crescido não só como músico, mas como ser humano, que é o mais importante.
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Um dos ensaístas mais estimulantes da música nacional, Jorge Coli ganhou o Prêmio Almirante Álvaro Alberto de 2018. A condecoração é uma das mais importantes do país em ciência e tecnologia e este ano destacou a categoria “Ciências Humanas Sociais, Letras e Artes”. É concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Jorge Coli é autor de alguns livros importantes como Música Final (editora Unicamp, 1998) e A paixão segundo a ópera (editora Perspectiva, 2003). Graduado em História da Arte na Universidade de Provença (Aix-Marseille I, França), realizou o mestrado em História do Cinema na mesma instituição. Em 1990, obteve o doutoramento pela USP (com uma tese sobre o pensamento musical de Mário Andrade).
Coli é o autor do libreto da ópera “O menino e a liberdade”, de Ronaldo Miranda. Foi secretário da cultura de Campinas (2001) e diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (2013 a 2017).
SERVIÇO
MISSA – Leonard Bernstein
ABRIL
Sexta-feira,6, 20h
Sábado,7, 16h30
Domingo,8, 16h30
Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo
Coro Lírico
Coral Paulistano
Coro Infantojuvenil da Escola Municipal de Música de São Paulo
Solistas do projeto Opera Studio do Theatro Municipal de São Paulo
Roberto Minczuk – regente
Michel de Souza (barítono) – Celebrante
João Malatian – direção cênica