Especial – Filarmônica de Munique e Valery Gergiev em Lucerna

Com um programa completamente dedicado à música russa, a Filarmônica de Munique realizou neste dia 3 de setembro seu segundo concerto na edição 2018 do Festival de Lucerna. Sob a regência de Valery Gergiev, a orquestra iniciou o concerto com a poética e infelizmente rara “O lago encantado op.62” de Anatol Lyadov (1855 - 1914).

por Leandro Oliveira

Com um programa completamente dedicado à música russa, a Filarmônica de Munique realizou neste dia 3 de setembro seu segundo concerto na edição 2018 do Festival de Lucerna. Sob a regência de Valery Gergiev, a orquestra iniciou o concerto com a poética e infelizmente rara “O lago encantado op.62” de Anatol Lyadov (1855 – 1914). A estrutura da pequena peça, plena de falsas resoluções, somada à expressividade das sutilíssimas nuances dinâmicas, prontamente demonstrou o fino trabalho de sonoridades que prevaleceria por todo o concerto – e que talvez seja a maior marca do prestigiado maestro.

E realmente, “Petrushka” de Igor Stravinsky, apresentado ainda na primeira parte do concerto, em sua versão integral (1911), foi de um controle formidável. A palheta de timbres que Gergiev extraiu da orquestra centenária deu ao ouvinte passagens inesquecíveis – como quando, na segunda parte da obra, fez rugir violoncelos e contrabaixos numa espécie de resmungo terrível. Estas passagens tornaram explícitos não apenas o alto grau de sugestão imagética da partitura, mas também o quanto a Filarmônica de Munique, embora uma orquestra de idade média jovem, conta com um nível de maturidade completo do seu ensemble.

Os termos do tratamento do som – precioso tanto na riqueza de timbres quanto no equilíbrio entre os naipes – e a variedade quase vertiginosa em que sucediam cenas terríveis e jocosas fez daquela a “Petrushka” de Gergiev; por outro lado, tivemos a “Petrushka” da Filarmônica de Munique: os desafiadores solos de flauta, trompete e piano previstos na música do balé original foram superados com virtuosismo extraordinário pelos respectivos chefes de naipe. Solos ocasionais, e não por isso menos complexos, como o do trompa, foram tão inteligentemente realizados que não poderíamos senão sugerir tratar-se de uma orquestra de solistas. E isto, claro, nos deixou ansiosos para a segunda parte com “Sheherazade op. 35” de Rimsky-Korsakov.

E em “Sheherazade” o que ouvimos objetivamente foi um envolvente “concerto para orquestra”. Nem mesmo a protagonista das “Mil e uma Noites” poderia aproveitar tão bem sua liberdade quanto a primeira oboísta e a primeira clarinetista da orquestra: seus rubatos sofisticados expressaram uma imensa gama de tensão e poesia em suas intervenções; ainda, raramente podemos ouvir o fagote mostrar tamanha flexibilidade expressiva e, claro, não é comum ser levado a um impasse entre a sedução erótica e a súplica terrível dos solos do grande violinista Lorenz Nasturica-Herschcowici.

Creio ter sido sobretudo por estes artistas extraordinários que os mais de vinte minutos de aplausos da sala praticamente lotada fizeram-se reverberar. O KKL-Luzerne ouviu atento e reconheceu a qualidade de uma orquestra que soube trazer à luz, com paixão e inteligência, um repertório ao mesmo tempo popular – et pour cause – de altíssimo risco. Me parece agora, já reconhecendo no elenco o talento individual enorme de quase todos seus membros, como demonstrado, que foi um risco absolutamente calculado.

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