por Leandro Oliveira
Tristão e Isolda de Richard Wagner é a obra musical mais influente de toda a segunda metade do século XIX – alguns evitariam tais restrições para dizê-la como o evento artístico mais relevante dos últimos quatro séculos. Não à toa: tanto sua técnica de composição quanto sua expressividade cheia de referências simbólicas, acabaram por apresentar um novo mundo sonoro e sensível que não apenas levam a paroxismo todo um quadro de referências do ambiente tonal e dos timbres da orquestra romântica, como demonstram, pelo exemplo, a força das tensões latentes na, por assim dizer, rotina emocional do homem moderno.
A fábula, conhecida entre muitos povos de língua alemã desde a versão de Gottfried von Strassbourg (falecido em 1215), inequivocamente ganha um novo apelo a partir de Wagner, quando o contexto de sua estreia (1865), em plena efervescência de projetos de unificação da Alemanha e o I Reich (1871), acaba por permitir a avaliação da obra nos termos inaugurais com os quais passará desde então a ser recebida. Não há de restar dúvida, todo o quadro de analogias poéticas usadas no poema wagneriano– do amor como narcose, da escuridão como conhecimento e, claro, da morte como uma libertação – empregnados que estão da filosofia schopenhauriana, e portanto destituídos de qualquer metafísica cristã convencional, acaba por permitir a posição sui generis do compositor como a de um Homero teutônico, um aedo redivivo a dramatizar o ethos fundante daquela nova civilização.
Debussy teria dito que Wagner fez com que seus contemporâneos confundissem o ocaso com a aurora. De fato, não haverá termos práticos para levar a lição de Tristão adiante (com exceção claro do próprio Wagner no projeto de sua Tetralogia – e eventualmente em Parsifal). Mas é fato que a ingenuidade da historieta medieval a gerar comédias despretensiosas como o “O Elixir do amor” de Gaetano Donizetti não encontrará mais palco na cultura ocidental. Em nosso catálogo simbólico, “Tristão e Isolda” será para sempre a obra que inverte as expectativas ordinárias, onde o positivo passa a ser a gravidade e não a leveza, onde a redenção dá-se não pelo heroísmo de gestos eloquentes e grandiosos de honra e coragem, mas pelo contrição íntima à finitude da morte.
A Fundação Osesp, ao propor uma semana dedicada ao mito de Tristão (além da apresentação do segundo ato nos dias 30 de agosto, 1 e 3 de setembro, com a regência soberba do britânico Sir Richard Armstrong, trouxe à cena ainda “Le vin herbé” de Frank Martin e a canto de amor e morte de Isolda, no sábado), permitiu ao público paulistano inteirar-se desta grande conversação. Em diversos termos, foi uma semana marcante. Aqui no Estado da Arte, mais conteúdos sobre Tristão e Isolda aparecerão aos leitores que quiserem seguir os encantos do mito, da música e do pensamento latente em ambos.
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