por Leandro Oliveira
Quis o destino que a nossa Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo programasse um repertório russo (com Marin Alsop e Paulo Szot) exatamente na semana do XVI Concurso Internacional Tchaikovsky. Assim, ouviremos na quinta, sexta e sábado (em Campos do Jordão) obras de Glinka, Borodin e Tchaikovsky. Mas os olhos estarão em Moscou e São Petersburgo – olhos, bom que fique claro, que estarão acompanhados pelos ouvidos de todo mundo clássico ao longo da semana.
O Concurso Tchaikovsky conseguiu nos últimos anos reabilitar o este tipo de evento no exausto mercado clássico do século XXI. Uma competição é sempre, e inequivocamente, um espaço mais dado aos espíritos esportivos que aqueles espirituais. Assim, tratando-se de fato de um expediente pouco dado à arte tal como muitos de nós gostaríamos de reconhecê-la, o prestígio dos concursos internacionais de música vinham decaindo desde pelo menos finais da década de setenta. Foi àquela altura que venceram os últimos grandes artistas a fazerem, com a vitória, uma carreira digna de nota (Kristian Zimermann em 1975 com o Concurso Chopin, de Varsóvia; Mikhail Pletnev em 1978 no Concurso Tchaikovsky). Outros casos posteriores são sintomáticos da decadência do que desde pelo menos o período do entre guerras havia sido um caminho seguro para a construção de uma carreira internacional: o vencedor do Concurso Chopin de 1980 não chegou a sombra do prestígio de Ivo Pogorelich, que foi desclassificado na semi-final; o incansável Denis Matsuev venceu o Concurso Tchaikovsky em 1998, mas só vê sua carreira deslanchar ao tocar no Carnegie Hall, dez anos depois.
O que a história recente do Concurso Tchaikovsky conta é que ainda há na música clássica espaço para o “hype”. Com uma estratégia de divulgação pioneira nos eventos deste tipo – com concertos transmitidos ao vivo, gerando um frisson digno de eventos olímpicos – mas também com um novo tipo de organização, a desbaratar qualquer influência política, o Concurso conseguiu desde 2011 uma nova credibilidade e com ela a visibilidade que apenas as grandes competições conseguem criar.
Para dar um exemplo: foi na edição de 2011 que um novo sistema de votação foi instituído, criado pelo matemático John MacBain. Com ele, todas as regras e regulamentos acabaram por passar por uma revisão completa – e a ênfase foi colocada na composição do júri, que passou a contar principalmente com artistas renomados e respeitados, e não mais professores de conservatórios do leste europeu (este ano, está na banca nosso conterrâneo Nelson Freire).
A competição divide-se nesta edição entre os seguintes instrumentos: piano, violino, violoncelo, madeiras, metais e voz (cantores masculinos e cantores femininos) – e para todos há a obrigatoriedade da entrega de um primeiro prêmio. Além dele, um prêmio máximo, no valor de 100.000 dólares, é dado ao mais impressionante entre os vencedores.
Este ano a final acontece nesta quinta, dia 27. Enquanto o leitor lê estas linhas, os novos medalhistas já estarão consagrados.
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Entre os grandes momentos da competição, uma gafe imperdoável: a competição troca a ordem da peças para apresentação do talentosíssimo pianista chinês An Tainxu de vinte anos. Ele, que não entende russo, deixa de acompanhar o anúncio e acaba perdendo a sua entrada – apenas para seguir com o “novo” concerto até o final, à queima roupa. Falha da organização – que inviabilizou a premiação de Tainxu. Segundo comunicado oficial da competição, o “responsável” foi demitido.