por Leandro Oliveira
É no sempre impressionante catálogo da editora Fayard que encontraremos o estudo mais completo sobre um tema até certo ponto hermético, embora fascinante – as relações históricas entre música e artes visuais.
Miroirs de la musique (1998), do musicólogo francês François Sabatier, realiza com riqueza de detalhes o trabalhoso percurso de uma história da cultura pouco contada, aquela que conta as interseções da música com as outras artes. Mirois ilumina com vasta documentação os termos de convergência entre os aspectos estilísticos e estéticos que eventualmente nos permitiria dizer das afinidades de Leonardo da Vinci e, digamos, Josquin des Prés – ou para usar alguns dos outros momentos estimulantes do texto, entre Tiepolo e Vivaldi, ou Stravinsky e Picasso.
Cobrindo o período de 1400 a finais do século XX, em dois volumes, o trabalho de Sabatier é um esforço monumental. E como trabalho de um musicólogo, servirá de complemento do igualmente vultuoso e estimulante livro da historiadora da arte e curadora Karin von Maur, Vom Klang Der Bilder: Die Musik in der Kunst des 20. Jahrhunderts (1985).
Von Maur realiza uma panorâmica pioneira, que segue resistente por sua originalidade: sua erudita história das artes busca, entre os séculos XVII e aquele atual, muitas das matrizes conceituais e pragmáticas que com o tempo se naturalizaram na teoria e na prática de muitas das experiências multimídias contemporâneas – a sinestesia, emancipação da dissonância, a metafísica formalista e alguns outros.
Atualizando esses estudos monumentais, os seguintes livros não farão falta a qualquer biblioteca que pretenda preservar uma boa panorâmica sobre o assunto: The Music of Painting (Phaydon Press, 2012) de Peter Vergo, talvez hoje o mais dedicado especialista no assunto e professor da Universidade de Essex, e o belíssimo The Art of Music (Yale University Press, 2015), de Patrick Coleman.
****
Um dos exemplos mais interessante de toda a história da cultura, no que tange a relação da música com a pintura se encontra, para mim, nos termos com que amadurece a abstração nas mãos do pintor russo Wassily Kandinsky (1866-1944), com uma poderosa relação consciente com o atonalismo do austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951). Existe uma farta correspondência entre os dois no período que vai de 1910 até 1914.
As conversas são frutíferas em parte porque Schoenberg é, ele mesmo, um grande pintor. Sua relação com artistas visuais do seu tempo, nos leva, mais tarde, a um dos documentos mais comoventes do século passado: uma carta para o compositor, de agosto de 1949, do austríaco Oskar Kokoshka (1886 – 1980). Kokoshka comenta:
“Pois chorei enquanto ouvia o seu Quarto Quarteto. Agora sei com certeza que você é o último compositor clássico: seu berço é a Grande Fuga, de Beethoven, onde não existe nenhum folclore russo, francês ou inglês, e a barbárie de apresentar um símbolo em vez de uma experiência direta. . . . Bach, Beethoven e Schoenberg são os últimos compositores capazes de erigir uma estrutura musical que pode – deve – ser considerada como um mundo orgânico. . . . Todas as músicas, exceto as suas, são galvanizadas e artificialmente estimuladas. . . senão a geometria puramente abstrata com sons estranhos e efeitos estranhos que se propagam pelo costume do ouvinte.”
****
A partir da próxima quarta-feira, dia 28/08 das 17h30 às 19h00, e por quatro semanas seguidas, ministro o curso O Som das Imagens, na Galeria Millan, na Rua Fradique Coutinho, 1416, em Pinheiros.
Inscrição pelo email curso@galeriamillan.com.br ou pelo telefone 3031-6007