Problemas de Gênero

A participação cada vez maior de mulheres no podium é questão de tempo.

por Leandro Oliveira

Entre as pequenas intrigas, reverberou (mal) a entrevista que Mariss Jasons realizou no dia 23 de novembro para o jornal inglês “The Telegraph”. Como sói acontecer, uma passagem tangencial mas controversa de sua conversa com Ivan Hewett acabou por ganhar a manchete da matéria: regente mulher “não faz minha cabeça” (“are not my cup of tea”), diz o maestro letão que figura entre os gênios da música de nosso tempo, e certamente entre os mais contra-indicados public outreach de si mesmo.

Hmm, bem. Bem, eu não quero ofender, e eu não estou contra isso, o que seria bem inapropriado. Eu entendo que o mundo mudou, e agora não há profissão que possa ser confinada a esse ou a aquele gênero. Mas é uma questão de costume. Cresci em um mundo diferente e para mim ver uma mulher no pódio… bem, digamos que não faz minha cabeça.

Alguns dias depois, em resposta ao dilúvio de acusações que sofreu por parte de melômanos e outros profissionais da música, ele enviou ao jornal a seguinte mensagem oficial:

Eu venho de uma geração em que a profissão de regente estava quase exclusivamente reservada aos homens. Ainda hoje, muitos mais homens que mulheres seguem atuando profissionalmente. Mas minha observação foi desordenada, desnecessária e contraproducente ao apontar que ainda não estou acostumado a ver as mulheres na plataforma de maestro. Cada uma das minhas colegas mulheres e todas as jovens que desejam se tornar um maestro podem ter certeza do meu apoio, pois todos trabalhamos em busca de um objetivo comum: despertar as pessoas pela arte que amamos tão carinhosamente: a música.

Neste roteiro “williamwackeano”, por óbvio, mesmo após as desculpas, os julgamentos contra o maestro seguiram rigorosos nas redes sociais e por parte de outros sensibilizados pelas questões progressistas. Critica-se inclusive que não lhe tenha sido retirada, até o momento, a Medalha de Ouro oferecida pela Royal Philharmonic Society, oferecida pelos extraordinários serviços prestados à música por Jansons ao longo de sua carreira.

A maestrina Joana Carneiro em ação.
 

Todo o caso interessa pelo que aparentemente é o grande assunto do mundo da música clássica atual – a inclusão. Mais que desnecessária, a observação foi politicamente inábil. Ele poderia ter simplesmente dito: “não ouvi nenhuma mulher que, regendo, chamasse minha atenção”. Seria ainda antipático, mas certamente temperaria seu julgamento assumindo a responsabilidade pela própria ignorância. Vladimir Horowitz fez isso quando estimulado a emitir juízo sobre regentes (homens) de seu tempo.

Resta claro para mim que após os esforços de artistas como Nadia Boulanger (1887 – 1979) e Veronika Dudarova (1916 – 2009) e mais tarde de Marin Alsop e Simone Young, a participação cada vez maior de mulheres no podium, em termos absolutos e relativos, é questão de tempo. E mais: temos tantos talentos mulheres atuando profissionalmente – cito Laurence Equilbey, Emmanuelle Hâim ou a mais que genial Barbara Hannigan  – e tantas entre aquelas artistas sérias em franca ascenção da nova geração (Simone Menezes, Valentina Peleggi, Tara Simoncic e Alondra de la Parra, para ficar entre as que nós acompanhamos de perto), que é provável citarmos em breve uma regente do nível dos grandes – e sugiro grandes, entre os vivos, nomes como Barenboim, Gergiev ou… Jansons.

Na idade destas últimas, apenas Barenboim era grande: e isso diz menos de personalidade artística que prodígio. Talvez esteja já entre nós, as grandes regentes do futuro, talvez nã. Não importa. Os grandes são raros, de qualquer modo, e isso independe de sexo.

Para saber mais

 

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