por Leandro Oliveira
A revista The Economist acaba de fazer um interessantíssimo perfil da compositora finlandesa Katja Saariaho – atualmente reconhecida como uma das mais pertinentes compositoras de sua geração. Em Dezembro, o Metropolitan Opera de Nova York encena seu L’Amour de Loin, o que será um feito notável: será a primeira obra de uma compositora mulher, desde Der Wald da compositora inglesa Dame Ethel Smyth (1858-1944), a ser apresentada na casa desde 1903.
“Os temas do amor e da morte em L’Amour contam, à primeira vista, com uma forragem operística convencional – segue um trovador francês medieval inspirado pela distante Condessa de Trípoli, a quem ele nunca conheceu. Mas sua relação vai muito além da paixão física que impulsiona muitos libretos: Saariaho preocupa-se principalmente com a idéia do amor cerebral, do amor idealizado. ‘Quando pensamos que amamos outra pessoa, realmente amamos essa pessoa, ou a imagem que criamos dessa pessoa?’, pergunta ela em uma entrevista… L’Amour de Loin, que apresenta um libreto francês de Amin Maalouf, procura explorar os mundos interiores desses dois amantes distantes. Há somente três personagens na ópera e a ação é escassa; o ouvinte é, em vez disso, seduzido numa jornada contemplativa e wagneriana”, publicou a The Economist.
O mesmo teatro acaba de cancelar a encomenda da ópera ao compositor argentino-israelense Osvaldo Golijov. Segundo Norman Lebrecht, a editora teria comentado tratar-se do resultado de “divergências artísticas”.
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O leilão, ocorrido em 29 de novembro, dos originais da Segunda Sinfonia de Gustav Mahler – com a respectiva venda pelo valor, recorde no mercado de manuscritos de música, de £4.5 milhões ou R$19,5 milhões – poderia ser demonstrativo do fato de ser Mahler, entre melômanos, um dos compositores de maior interesse na música clássica. Vendas comparáveis, apenas com Mozart, de quem nove sinfonias foram arrebatadas pela bagatela de £2.5 milhões em 1987, ou Robert Schumann, que se vivo fosse teria visto sua segunda Sinfonia adquirida pelo valor de £1.5 milhões em 1994.
“Poderia ser demonstrativo”, mas não é: com um mercado cheio de manuscritos de autoria duvidosa (no mesmo leilão, a Sotheby’s colocou a venda uma partitura que se disputa como de Beethoven, e que não encontrou compradores) e a maior parte dos originais já em posse de instituições ou agentes privados, o preço deste tipo de documento acaba por subir a alturas assombrosas menos pelas circunstâncias estéticas que envolvem e mais pela atribuição de um mercado que, para muitos de nós, segue incompreensível.
O comprador do manuscrito da Sinfonia em dó menor – A Ressureição, de Gustav Mahler, preferiu ficar anônimo. Possivelmente sairá de circulação pública por alguns anos, ela que foi propriedade de Gilbert Kaplan, o curioso empreendedor do ramo editorial que, uma vez milionário, tornou-se, não sem controvérsia, um intérprete e estudioso de Mahler.
A relação de Kaplan com o manuscrito é célebre, ele que aprende a reger orquestra e coros para apresentar-se com a obra – fato que o levou a palcos de todo o mundo algumas dezenas de vezes, exclusivamente para reger “seu” manuscrito. Enquanto em suas mãos, os papéis puderam ser reeditados e criticados por diversos especialistas, o que garantiu a resolução entre muitas das eventuais dúvidas textuais e filológicas que eventualmente pudessem gerar controvérsias nas interpretações posteriores.
Escrito pelo próprio compositor entre 1888 e 1894, o manuscrito vendido pela Sotheby’s contém alterações, anotações e cortes do punho do próprio Mahler. Ele chega a leilão com o espólio de Kaplan, falecido em janeiro passado – e teve por proprietário anterior Willem Mengelberg, o importante regente holandês que foi, com a morte do compositor, um dos mais dedicados intérpretes de Mahler. Mengelberg, por sua vez, recebera a partitura de Alma, a viúva de Mahler.
Bem a propósito, o público de São Paulo poderá conferir a Segunda Sinfonia de Mahler, nos dias 15, 16 e 17 de dezembro, na Sala São Paulo. Trata-se do encerramento da temporada 2016 da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. O programa contará com a regência de Marin Alsop.