Vida longa à Sociedade Cultura Artística!

Foto: maestro Jonathan Nott, diretor artístico da Orchestre de la Suisse Romande

por Leandro Oliveira

A Sociedade Cultura Artística inaugurou o desafio: sua temporada de concertos em 2018 será realizada sem o apoio da Lei Rouanet. Será a primeira vez em décadas que uma instituição brasileira de alto nível realiza um projeto internacional sem o auxílio das leis de incentivo federais — que, desde seu surgimento no final de 1991, tornaram obrigatória, por meio de isenção fiscal, a participação do Estado na vida cultural brasileira. Para mim, o caso mais impressionate é o da FLIP, que saiu da pujança independente e criativa de seus primeiros anos para a melancólica dependência governamental atual.

Para a saúde da convivência entre meus amigos, a questão é premente. Jantando entusiasmadamente tanto com conservadores e liberais quanto com artistas (que ironia curiosa é colocá-los em termos antitéticos!), percebo uma cisão objetiva na percepção da matéria. Muitos entre meus companheiros do primeiro grupo consideram a subvenção estatal inaceitável. E os recentes escândalos do QueerMuseu, em Porto Alegre, ou a performance La Bête, no MAM-SP, ganharam ares de maior controvérsia no seio destas discussões: afinal, perguntam os conservadores-libertários, por que temos que financiar tais “libertinagens”?

Meus amigos do segundo grupo, em maioria, tomam a posição contrária. Assumem, grosso modo, que se a arte é algo bom e necessário, não pode ser incontroversa sua disponibilização para um público amplo. E, justamente pelo fato inescapável de que tal disponibilização acarreta custos (o que mesmo o mais recalcitrante heterodoxo há de reconhecer), tornam-se auto-justificadas as leis de incentivo — pois seriam como indutores da divulgação e promoção do que, afinal, é parte dos valores máximos da civilização: a liberdade de expressão e a democratização do acesso ao patrimônio imaterial da inteligência e da expressão humana.

Para um observador despreocupado com posições seguras, a cizânia é inteligível. O grosso dos conservadores e liberais — tomo por certo todos aqueles que fazem passeatas contra MAMs e MASPs — raramente frequentam exposições ou concertos e são absolutamente deseducados para uma fruição razoável da arte, qualquer arte, seja do passado, seja do presente, seja boa ou ruim; como poderiam tê-la como índice de um valor maior e positivo para a sociedade? Os artistas, incultos e irresponsáveis sobre o próprio ofício, satisfazem-se com obras auto-referentes e “engajadas”, permitindo que seu objeto de trabalho torne-se a matéria caricata e incompreensível que acaba por ser: são perdulários com o dinheiro público por, com sorte, produzirem irrelevâncias (em finanças públicas, um real mal gasto é caro; um milhão de reais bem gasto, apenas muito dinheiro).

Neste contexto é que o Cultura Artística traz, antes de mais nada, uma temporada notável. Com financiamento realizado por meio de assinaturas, contribuição da associação de amigos do SCA e venda em bilheteria (além de parte de um fundo patrimonial próprio), o nível artístico não é baixo. A Filarmônica de Dresden e a Orchestre de la Suisse Romande, dirigidas respectivamente por Michael Sanderling e Jonathan Nott, são orquestras excelentes; a Camerata Salzburg traz um programa muito estimulante, com Arvo Pârt, J. S. Bach e as “Dez Canções bíblicas” de Dvorák (a solista, Bernard Fink é um nome inédito por nossas paragens); Magdalena Kozena é presença de todos os maiores festivais do mundo, e sem dúvida, uma das mais impressionantes mezzo-soprano da atualidade. A temporada conta ainda com Jan Lisiecki, Stefan Vladar e Carolin Widman, jovens artistas que despontam como personalidades importantes na nova safra de grandes solistas internacionais.

Com todos os desafios de uma temporada auto-financiada, o Cultura Artística faz um gesto corajoso para a história recente da gestão de cultura no Brasil, em sua discussão mais atual. Portanto, está feito o chamado: libertários e conservadores de São Paulo, uni-vos! Apoiem a temporada do Cultura Artística 2018! Marcando presença, divulgando e realizando doações. O sucesso deste experimento extraordinário, de uma alta cultura sem Lei Rouanet, depende, mais do que tudo, de todos vocês.

PS 1: Para os que se impressionam com a decadência da cultura ocidental em modelitos provocantes, sugiro não ver os vídeos abaixos, da piano-hero chinesa (!) Yuja Wang — que se apresenta no dia 2 de outubro. Vídeos para maiores de 18 anos.

Tocando o eurasiano Scriabin:

Caminhando ao som dos aplausos:

https://www.youtube.com/watch?v=NGOIPoIxC-w

PS 2: Para um modo inteligente e desassombrado de conduzir a discussão, sugiro o livro Good and Plenty – The Creative Successes of American Art Funding, de 2006, do economista americano Tyler Cowen. Os EUA são seu estudo de caso. Ao final da leitura, entendemos que assumir ares norte-americanos, ao menos como referência para os debates sobre o financiamento da produção e criatividade artística, não seria nada mal para nós brasileiros.

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