por Leandro Oliveira
Em editorial do último dia 6 de maio, “O Estado de São Paulo” escreve sobre a precária situação das lideranças em todas as áreas da vida pública brasileira. O líder, aquele capaz de “aglutinar sentimentos, representar vontades, promover consensos e levar adiante projetos que ultrapassem os interesses particulares”, é matéria escassa.
É exatamente neste contexto que percebo a crise por que passa a música clássica nacional, crise essa sobre a qual gostaria de refletir. Após um quadrimestre quando vimos o colapso da Orquestra Sinfônica Brasileira – sem programação e sem dinheiro para salários – do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, que vê seus músicos organizarem recolhimento de alimentos para funcionários, além da incerteza acachapante que tomou conta das atividades do Theatro São Pedro e o Theatro Municipal de São Paulo, minha sincera e entristecida consideração: quem há de nos guiar para além da razoável miséria que acabamos por parar?
Por ora, ninguém. Ao que parece, por muito tempo os amantes da música clássica teremos que sofrer os efeitos do tsunami cultural que advirá, segundo a justificativa oficial, da crise financeira. Em momentos assim, seria belo e edificante imaginar políticos lutando pela manutenção daquelas instituições que nos colocam junto à “grande conversação internacional”, e não perplexos quanto a sua relevância. Mas não acontecerá e, de fato, causa-me espanto que haja surpresa quanto a isso.
O desastre já é notado internacionalmente. O jornalista Norman Lebrecht, de quem não sou nenhum admirador mas é certamente o profissional mais lido da mídia especializada, publicou ontem (10/05):
“O governo (brasileiro) parece não se importar que as instituições culturais estejam sendo destruídas e a reputação cultural do país seja reduzida a lixo. Ainda pode haver uma enorme quantidade de café no Brasil, mas em breve não haverá mais artistas para bebê-la (…) Mas não há volta. Um convite aos artistas internacionais para tocar no Brasil não pode ser aceito num momento em que os músicos profissionais do país estão morrendo de fome.”
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Falei de “grande conversação”. É que em papo recente com conhecidos da área, a questão aparentemente inócua feita por um ex-secretário municipal não deixou de revelar uma curiosidade típica: se o Brasil voltasse a crescer, todos os cortes realizados em instituições culturais do país deveriam ser justificadamente repostos? E não sem um sorriso nos lábios, o senhor perguntava: a Pinacoteca do Estado e outras instituições como ela precisavam mesmo de tanto dinheiro (fazia referência aos momentos pré-cortes, de quatro anos atrás)?
A resposta veio na ponta da língua de uma amiga inteligente, atuante no corpo artístico de uma entre as tais instituições. “Depende de com quem você quer que a Pinacoteca converse”. Ou seja, se a premissa do projeto pensa a Pinacoteca (para pegar o exemplo ocasional) como um museu local, que sirva ao público da cidade, o orçamento atual é digno. Se a idéia é imaginá-la como uma instituição internacional, museu da maior capital da América Latina, cidade que é posto avançado de onde surgem as principais ideias de inovação e cultura do país, o dinheiro atual é simplesmente muito pouco.
O custo de um museu de alto nível, assim como o custo de um centro de pesquisa científica de alto nível, de uma orquestra sinfônica de alto nível ou de uma casa de ópera de alto nível, é sabido e é alto. E o é assim pois o é em todo lugar do mundo civilizado. Mas não devemos entender este custo se não através de uma ideia básica da gestão pública, que posso sintetizar em um não muito engenhoso jogo de palavras: mil reais de dinheiro para instituições inertes e profissionais preguiçosos é caro, enquanto 100 milhões de reais com entrega de qualidade e quantidade não é caro, mas apenas muito dinheiro.
Isso serve para tudo, tanto quanto dos recursos expressivos do INCOR – onde se investe muito dinheiro e que jamais, pelo resultado extraordinário, pode ser entendido como “caro” – ou nas montanhas infindáveis de reais despendidas no Ministério da Educação (que à luz do que entrega aos nossos jovens, é caríssimo).
Em Cultura, do mesmo modo, se o objetivo é a excelência, muitos milhões são necessários, pois são os valores de uma realidade ditadas não pelos gabinetes de quem pensa e deseja projetos, mas pela economia e o mercado complexo de certa conjuntura internacional. A questão de fundo que justifica tais milhões é a que argumenta, como bem sugeriu minha amiga, “com quem queremos que nossos equipamentos culturais dialoguem?”. Para responder tal pergunta, devemos deixar de trazer a resposta míope, imediata e simples, de pensar apenas em “para quem as instituições mais imediatamente se destinam” – devemos assumir seu desdobramento mais sofisticado e conseqüente, o de “qual é o horizonte que quero permitir àqueles para quem as instituições mais imediatamente se destinam”.
Ou seja, qual o tamanho que imaginamos e queremos do Brasil no concerto internacional das nações?
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Talvez não deixe de haver alguma ironia do destino no fato de que em ano tão controverso para a área nós, amigos, alunos e artistas, celebremos os setenta anos do maestro John Neschling, depois de amanhã, no 13 de maio.
Por seu trabalho junto à Osesp, John Neschling foi o mais importante ator da música sinfônica nacional desde Heitor Villa-Lobos. Quando voltou aos palcos do Theatro Municipal pôde mostrar que sua capacidade de galvanizar a área segue indiscutível – a maior que o Brasil já teve. Neste post falamos de liderança, falamos de internacionalização de parâmetros e mentalidades… em música, de um modo ou de outro, estivemos por todo o tempo a falar de John Neschling.
Torcemos neste aniversário para que as obras do maestro, sua energia e capacidade de trabalho, sigam por muito tempo a inspirar e transformar positivamente nossa permanentemente combalida música clássica brasileira.