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Na virada do século XVIII para o XIX uma onda varreu o Novo Mundo transfigurando quase todas as velhas colônias em novos estados nacionais. Vendo de longe, é como se as estrelas tivessem se alinhado e as engrenagens da história se movessem numa cadência inexorável. Mas o teatro da emancipação brasileira teve traços insólitos. Num golpe, a colônia que era proibida não só de manter um exército, indústria ou livre comércio, como de criar universidades ou imprimir livros e jornais, se tornou um império. Diferentemente das outras colônias, como a norte-americana, o confronto armado com a metrópole foi mínimo, e diferentemente da América espanhola, a portuguesa manteve sua unidade.
Visto de fora, tudo se passou quase como um episódio sucessório da dinastia Bragança — ou talvez uma instância preeminente do “jeitinho” brasileiro —, expondo as tendências incongruentes, mas também conciliatórias, da civilização luso-brasileira: a insurreição foi uma reação aos revolucionários liberais de Portugal que queriam restringir as liberdades do Brasil e exigiam a volta do rei; a independência foi proclamada contra ele pelo príncipe herdeiro, que depois impôs uma Constituição às elites brasileiras, as quais o forçaram a legar a coroa ao seu filho e retornar a Portugal, onde precipitou uma guerra civil contra seu irmão.
Esta trama rocambolesca é em parte explicada pela transferência da corte para o Rio de Janeiro, que se transformou na capital de um império ultramarino — com todas as instituições públicas, civis e culturais condizentes com essa condição —, e em parte explica os contornos movediços das convulsões provinciais que pipocaram de norte a sul após a renúncia do imperador. Com nomes obscuros como Farroupilha, Sabinada ou Balaiada, algumas foram mero frisson das elites, outras explosões populares; algumas progressistas, outras reacionárias — ou uma mistura de tudo isso. A rebelião de caboclos do Pará conhecida como Cabanagem, por exemplo, terminou com a devastação da economia local, o extermínio de 20% da população e quase destruiu a capital, Belém. Mas sintomaticamente os cabanos nunca apresentaram demandas sistemáticas nem organizaram um programa de governo, limitando-se a gritar palavras de ordem contra estrangeiros, portugueses e maçons, e em favor da Igreja católica, Pedro II, o Pará e a liberdade.
Quais os mitos e verdades sobre o nascimento da nação com o maior território, população e economia da América Latina? Como eles determinaram os destinos e desatinos da segunda maior democracia do Ocidente?…
Convidados
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Lucia Bastos,Professora de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autora de Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência.
Marcello Basile, Professor de história da Universidade Rural do Rio de Janeiro e coeditor de Guerra literária: panfletos da Independência.
Miriam Dolhnikoff, Professora de História da Universidade de São Paulo e autora de O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil.…………..
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