A Capela Sistina

Entrevista com Gabriel Frade, Luciano Migliaccio e Luiz Marques para a Rádio Estado da Arte.

Jesus Cristo é o indivíduo mais influente de toda história e a Bíblia, o livro mais lido, difundido e comentado. Estes são fatos mensuráveis quantitativa e qualitativamente pelos critérios das ciências ou quaisquer outros. A profecia feita na Mesopotâmia há 4.000 anos se realizou e hoje a descendência de Abraão é mais numerosa que as estrelas do céu nos bilhões de cristãos, muçulmanos e judeus que professam a fé no Deus de Israel. Mas ainda que a aliança de Moisés com o Povo Eleito pela Lei e a de Jesus com a humanidade pela Cruz sejam capítulos da história mais cativante de todos os tempos, seus eventos se passam em locais remotos; seus protagonistas, venham eles de um passado mítico, como Adão, ou de um futuro fantástico, como o Cristo apocalíptico, parecem intangíveis, difíceis de se visualizar, quase tão invisíveis quanto o próprio Deus do monoteísmo. E é possível que em nenhum outro lugar eles se aproximem tanto de nossos olhos, em cores tão vivas e contornos tão nítidos – e todos ao mesmo tempo tempo! –, quanto na Capela Sistina.

Se o cristianismo é, como dizem alguns, o matrimônio de Atenas e Jerusalém, ou, como dizem outros, do Céu e da Terra, foi em Roma, no solo irrigado pelo sangue de Pedro e Paulo, que brotaram, senão seus melhores frutos, ao menos os mais visíveis. As mãos humanas talvez já tivessem tocado a perfeição do corpo nos deuses de mármore gregos, mas na pintura, desde as cavernas paleolíticas até então, jamais os olhos conheceram um homem tão olímpico, nem um Deus tão humano, nem uma humanidade tão titânica quanto nas telas e paredes da Itália renascentista. Rafael, Ghirlandaio, Perugino, Botticelli e, literalmente acima e à frente de todos, Michelangelo, dão àquele pedaço de chão romano um valor incalculável em todos os aspectos, a começar pelo monetário. E se o fim da arte parece ser materializar visões imortais e eternizar a matéria deste mundo, poucas vezes ela foi tão bem sucedida quanto no interior destas quatro paredes. Prova disso é o contingente não só artístico, mas financeiro e tecnológico mobilizado na conservação de seus afrescos; e, passado meio milênio, não é difícil profetizar que enquanto houver seres humanos, céus e terras passarão, mas os turistas continuarão circulando aos milhões sob aquele mesmo teto, multiplicando até o infinito as réplicas em foto ou vídeo das mesmas figuras que, como se encarnassem o Deus de Aristóteles, movem todas as coisas sem se mover, revelando assim o tão cobiçado segredo do moto perpetuo.

Nesta capela de onde continuam a nascer os papas, os raros eleitos com suficiente sorte, influência ou dinheiro, ainda podem, na clandestinidade das primeiras horas da manhã ou da noite, como no tempo das catacumbas, testemunhar os sacerdotes repetindo seus ofícios qual uma velha cantilena. Durante a missa, muitos estarão tão absortos com o Pai Criador acima de suas cabeças, ou com Jesus e sua Mãe suspensos de corpo presente entre o Céu e o Inferno, que sequer notarão a genuflexão litúrgica quando o corpo de Cristo se fizer realmente presente na consagração eucarística. Vários comerão deste pão e deste vinho; poucos acreditarão que agora a carne e o sangue do Senhor pulsam em seu próprio corpo; mas todos, esperemos, hão de retornar à Cidade Eterna inspirados por seu Espírito.

Convidados

Gabriel Frade: Professor de Filosofia e Teologia da Faculdade São Bento e doutorando em arquitetura na Universidade de São Paulo com a tese Entre Renascimento e Barroco: Os Fundamentos da Arquitetura Religiosa e a Contrarreforma.

Luciano Migliaccio: Professor de Teoria e História da Arte na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e coordenador  do grupo de pesquisa “Arte, Design, Moda”.

Luiz Marques: Professor de História da Arte do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas e autor de A Vida de Michelangelo Buonarroti de Giorgio Vasari.

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