Os artefatos mais antigos em nossas mãos são pedras lascadas pelas patas dos homens-macaco 2,5 milhões de anos antes do sapiens. Peças de arte figurativa, pinturas nas cavernas e estatuetas, floresceram há meros 60 mil anos. De lá para cá, se os pintores diluíram seu olhar por rostos, paisagens, multidões, animais, naturezas mortas e tudo o mais que vislumbraram em seu entorno, os escultores, talhando suas visões em pedregulhos, barro ou metal quente, jamais desviaram o olhar, como num ponto de fuga, do seu único foco: o corpo humano. Dos corpinhos voluptuosos das vênus paleolíticas, passando pelos corpos incrustrados nas catedrais medievais, os corpos titânicos de Michelangelo, os diáfanos de Bernini, até os corpos sob pressão de Rodin ou os afilados ao extremo de Giacometti, os escultores sempre aspiraram a espiritualizar a matéria desse mundo exprimindo-a no corpo humano. E mesmo quando artistas modernos como Alexander Calder desencarnaram todos os contornos orgânicos de sua escultura, o seu fascínio ainda aflora da fusão abstrata das excelências do corpo animal – o equilíbrio e o movimento – com a excelência singular do corpo humano – a graça.
Não pode ser coincidência que a concepção do corpo humano perfeito tenha se feito carne de bronze e mármore em sua perfeita representação lá onde, como dizia Schiller, “enquanto os deuses se tornavam mais humanos, os homens se tornavam mais divinos”; nem lá onde as artes da guerra finalmente se sublimaram no esporte; assim como não é coincidência que as nossas instituições de ensino e formação – a academia, o liceu, os ginásios e palestras – tenham sido na origem clubes de atletismo gregos, onde a educação física servia de forja à mental. Fundindo o cultivo do corpo e o culto aos deuses, a Grécia criou uma cultura literalmente olímpica cuja apoteose foram os jogos sagrados, e que foi tão impecavelmente materializada em suas estátuas, que à sua vista, mesmo quando destroçadas pelas mãos do tempo, é impossível dizer se são atletas sobre-humanos ou corpos gloriosos de deuses e deusas.
Convidados
Gilberto da Silva Francisco: professor de História Antiga na Universidade Federal de São Paulo, membro do Laboratório de Estudos sobre o Império Romano e o Mediterrâneo antigo na Universidade de São Paulo e do Laboratório ‘Heródoto, Mundo Clássico e suas Conexões Asiáticas.’
José Geraldo Grillo: professor de Arte Antiga na Universidade Federal de São Paulo e autor de Arqueologia Clássica: O quotidiano de gregos e romanos.
Luiz Marques: professor de História da Arte da Universidade Estadual de Campinas.