O projeto 3 x 22, iniciativa da Universidade de São Paulo que conta com a parceria do Instituto CPFL e do Sesc-SP, busca promover o debate histórico, artístico, cultural e político em torno do Bicentenário da Independência do Brasil e do Centenário da Semana de Arte Moderna a serem comemorados em 2022. Como parceiro do Instituto CPFL, o Estado da Arte promoverá uma série de artigos, podcasts, textos clássicos e entrevistas dedicados a reflexões sobre temas nacionais.
Se os brasileiros são mundialmente celebrados por sua música popular, poucos entraram no cânone erudito. Dentre eles, Heitor Villa-Lobos é comumente aclamado como o maior compositor das Américas. Foi dos mais prolíficos e ecléticos: são mais de mil peças entre sinfonias, fantasias, música sacra, canções, óperas, balés ou concertos para violão, piano e violoncelo. Autodidata, foi regente, violoncelista e ganhou a vida animando noites em teatros, cafés e cinemas com seresteiros e chorões. Para o seu amigo, o pianista Arthur Rubinstein, sua música, além de bela e impressionante, era incomparável na “particularidade de estilo”.
Seu gênio foi não só fabuloso, mas fabulador, beirando a mitomania. Contava aos europeus que gostava de comer mãozinhas de macacos nas selvas tropicais onde quase fora devorado por canibais. Chegava a ser cabotino, nutrindo a imagem algo ufanista do “índio de casaca” sem formação e antiformalista. “Nunca na minha vida procurei a cultura, a erudição, o saber e mesmo a sabedoria nos livros, nas doutrinas, nas teorias, nas formas ortodoxas”, dizia ele. “Nunca! Porque o meu livro era o Brasil. Não o mapa do Brasil na minha frente, mas a terra do Brasil onde eu piso, onde eu sinto, onde eu ando, onde eu percorro”.
Mas apesar de bravatas iconoclastas como “logo que sinto a influência de alguém, me sacudo todo e pulo fora”, foi claramente influenciado por Chopin, Debussy, Stravinsky entre outros. Criou a Academia Brasileira de Música, e disciplinou com paixão os estudantes brasileiros, chegando a organizar manifestações cívicas com massas corais de 40 mil crianças treinadas em sua pedagogia orfeônica. E lembrava com gratidão de quando seu pai o obrigava não só “a discernir o gênero, estilo, caráter e origem das obras”, mas “a declarar com presteza o nome da nota dos sons ou ruídos que surgiam incidentalmente, como, o guincho da roda do bonde, o pio de um pássaro, a queda de um objeto de metal”.
A verdade é que, entre a musicalidade popular e a erudita, a tradicional e a de vanguarda, a regional e a universal, o maestro foi grande não por trombetear uma em detrimento de outra, mas por harmonizá-las em suas melodias inimitáveis. No fim, Villa, como gostava de ser chamado, foi um grande criador, não intérprete, nem mesmo de sua música, tampouco de si mesmo. Talvez o mais exato fosse defini-lo como ele definia Bach – influência consagrada em suas Bachianas Brasileiras–: um manancial folclórico universal, intermediário de todos os povos.
Convidados
Fabio Zanon: violonista e mestre em música pela Universidade de Londres.
Marcelo Bratke: pianista formado pela escola Juliard de Nova York e apresentador do programa radiofônico Alma Brasileira dedicado a Villa-Lobos.
Paulo de Tarso Salles: professor da Universidade de São Paulo, coordenador do seminário PAMVILLA e autor de Villa-Lobos: processos composicionais.
Confira o Café Filosófico CPFL especial 3 x 22 “A Música na Semana”, com a professora da USP Flávia Toni.