O “Romanceiro da Inconfidência” de Cecília Meireles

Com Ana Maria Domingues de Oliveira, Leila Gouvêa e Norma Goldstein

O projeto 3 x 22, iniciativa da Universidade de São Paulo que conta com a parceria do Instituto CPFL e do Sesc-SP, busca promover o debate histórico, artístico, cultural e polí­tico em torno do Bicentenário da Independência do Brasil e do Centenário da Semana de Arte Moderna a serem comemorados em 2022. Como parceiro do Instituto CPFL, o Estado da Arte promoverá uma série de artigos, podcasts, textos clássicos e entrevistas dedicados a reflexões sobre temas nacionais.

Segundo Aristóteles, a poesia difere da história por falar não das coisas como aconteceram, mas como poderiam acontecer, e é “mais filosófica” por exprimir realidades universais e não particulares. 2.400 anos depois, uma poetisa meditava sobre a distância entre o registro histórico e a invenção poética:

O primeiro fixa determinadas verdades que servem à explicação dos fatos; a segunda anima essas verdades de uma força emocional que não apenas comunica fatos, mas obriga o leitor a participar intensamente deles, arrastando-o no seu mecanismo de símbolos, com as mais inesperadas repercussões.

Palavras ditas em Ouro Preto, onde anos antes tivera uma epifania durante a Semana Santa:

Todo o presente emudeceu, como plateia humilde, e os antigos atores tomaram suas posições no palco. … Os homens de outrora misturaram-se às figuras eternas dos andores; … na procissão dos vivos caminhava uma procissão de fantasmas.

Eram os soldados, padres, poetas da rebelião esmagada pela Coroa portuguesa em 1789 e resgatada cem anos depois pela propaganda republicana, que consagrou em Tiradentes o herói cívico-religioso da mitologia nacional.

Romanceiro da Inconfidência é formado por 85 romances entremeados por falas, cenários e uma serenata, com todo tipo de variação métrica e rítmica.

Há poemas em que a rima aflora, em intervalos regulares, outros em que ela aparece, desaparece e reaparece, apenas quando sua presença é necessária.

Com a mesma liberdade, os planos épico, dramático e lírico se justapõem, se entrelaçam e se diluem numa atmosfera de idílios arcádicos onde fermentam ideias libertárias e jorra a ambição torrencial do ouro, que

Do seu calmo esconderijo,
… vem, dócil e ingênuo;
torna-se pó, folha, barra,
prestígio, poder, engenho…
É tão claro! – e turva tudo:
honra, amor e pensamento

diz Cecília, e conclui:

Por ódio, cobiça, inveja,
vai sendo o inferno traçado.

Tudo se passa entre duas interrogações fatais:

Que é feito de ti, remoto
Verbo Encarnado?

e

Que é feito de vós, ó sombras
que o tempo leva de rastos?

Suspensa entre uma e outra, a fábula da Vila Rica se degrada em Ouro Preto, revelando uma epopeia de heróis quiméricos, suicidas, traidores; uma apoteose de degredados, encarcerados e esquartejados; uma saga abortada, que desagua no desterro interior das mulheres do Romanceiro, as Isabéis, as Eliodoras, a donzela assassinada, o fantasma de Marília, Maria a Rainha Louca – vozes que se misturam ao cortejo barroco de tropeiros, concubinas, escravos, religiosas, bêbados, mascates para chorar

… esse mistério,
esse esquema sobre-humano,
a força, o jogo, o acidente
da indizível conjunção
que ordena vidas e mundos
em polos inexoráveis
de ruína e exaltação.

No derradeiro verso, sob os sonhos de liberdade do Ciclo do Ouro reduzidos a pó, arde como brasa a interrogação de Cecília:

Quais os que tombam,
em crimes exaustos,
quais os que sobem,
purificados?

Convidados:

Ana Maria Domingues de Oliveira: professora de letras da Universidade Estadual Paulista e autora de Estudo crítico da bibliografia sobre Cecília Meireles;

Leila Gouvêa: doutora em literatura pela Universidade de São Paulo e autora de Pensamento e “Lirismo Puro” na Poesia de Cecília Meireles e Cecília em Portugal;

Norma Goldstein: professora de língua portuguesa da Universidade de São Paulo e autora do Roteiro de Leitura do ‘Romanceiro da Inconfidência’.

Referências:

  • Ensaios sobre Cecília Meireles organizado por Leila Gouvêa.
  • Roteiro de leitura: Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles de Norma Goldstein.
  • Pensamento e “lirismo puro” na poesia de Cecília Meireles de Leila Gouvêa.
  • Pelas trilhas do Romanceiro da Inconfidência de Lucia Manna.
  • Estudo crítico da bibliografia sobre Cecília Meireles de Ana Maria Domingues de Oliveira.
  • Oriente e Ocidente na Poesia de Cecília Meireles org. A.M.L. de Mello e F. Uteza.
  • “Dos cavalos da Inconfidência: a voz antiépica de Cecília Meireles”, conferência de Antonio Carlos Secchin.
  • “Romanceiro da Inconfidência”, verbete da Enciclopédia Itaú Cultural.
  • “Cecília Meireles: um percurso de espiritualidade”, em Atlântida, v. XLVI, p. 187-194, de Maragarida Maia Gouveia.
  • Estudo do poema: o linguístico e o poético na poesia de Cecília Meirelesde Maria G. Chaves.

Apresentação: Marcelo Consentino

Produção: Compasso Coolab

Ilustração: Via-Sacra do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos atribuída a Aleijadinho (Antônioo Francisco Lisboa). Congonhas do Campo, Minas Gerais.

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