Psicofármacos

Entrevista com André Negrão (HC-USP), Christian Kieling (UFRGS) e Valentim Gentil Filho (USP)

No ano de 2.540 depois de Cristo o Administrador do Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley explicava a origem da droga soma:

Dois mil farmacologistas e bioquímicos foram subsidiados no ano 178 depois de Ford… Seis anos depois estava sendo produzida comercialmente. A droga perfeita… Eufórica, narcótica, agradavelmente alucinante… Todas as vantagens do cristianismo e do álcool, nenhum dos seus defeitos… Tire um feriado da realidade sempre que quiser, e volte sem tanto quanto uma dor de cabeça ou uma mitologia.

A história da psicofarmacologia é a “história da intersecção entre drogas, loucura, ordem social e a experiência do eu” (David Healey). Há pelo menos 10 mil anos, substâncias psicoativas como ópio, coca, mescalina, e, claro, o álcool, têm sido ingeridas para alterar a consciência em busca de recreação, experiências religiosas, ampliação sensorial e cognitiva ou anestesia.

Surpreendentemente, até meados do século passado, seu uso no tratamento de transtornos mentais era praticamente nulo, a tal ponto que em 1888 um alienista como Heinrich Neumann podia anunciar: “É chegada a hora de deixarmos de buscar a erva, sal ou metal que em doses homeopáticas ou alopáticas curará a mania, a degeneração, os delírios ou a excitação. Não serão encontradas antes que encontrem as pílulas que farão um grande artista de um palerma ignorante ou uma criança bem comportada de um moleque mimado”. Mas em 1949, quase por acaso, um psiquiatra australiano descobria o poder tranquilizador do sal de lítio sobre maníaco-depressivos. Logo se seguiria o mais bem sucedido dos antipsicóticos, a clorpromazina, e também o primeiro antidepressivo. No final dos anos 50, dois terços dos pacientes com esquizofrenia passavam a maior parte de suas vidas em hospitais psiquiátricos; já nos anos 80, 95% dos esquizofrênicos eram tratados em regime de não internação. Mesmo que aí influam outras causas, como o movimento antimanicomial, o triunfo dos psicotrópicos sintéticos é inegável.

É verdade que já nos anos 60 e 70 um certo mal-estar era diagnosticado por críticos que acusavam num “culto à droga”, tanto entorpecente quanto medicamentosa, um fenômeno social de evasão face às atividades quotidianas normais. Mas após as épocas de euforia com a psicanálise, o behaviorismo e outras ondas do mundo Psi, a neuropsiquiatria tinha seu momento de coqueluche quase ao ponto da mania: “Tão grande é o nosso conhecimento e comando sobre os neurotransmissores”, declarava em 1993 o Doutor Peter Kramer no best-seller Ouvindo o Prozac, “que estamos entrando na era da neurofarmacologia cosmética, tal que seremos capazes de projetar nossas próprias personalidades: um pouco mais de autoconfiança aqui, um pouco menos de irascibilidade ali. Poderemos ser exatamente quem quisermos ser, não pelos meios tradicionais da disciplina e do autocontrole, mas antes tomando uma mistura judiciosa de pílulas”.

Apesar disso, muitos céticos veem nesse triunfo uma mistura promíscua entre terapia e engenharia humana, e por trás dele as mesmas forças que borraram a distinção entre o laboratório e a fábrica, ou seja: a indústria farmacêutica inflacionando doenças para vender a cura. Qual será a verdade sobre os psicofármacos?

Convidados

André Negrão: colaborador do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Hospital das Clínicas de São Paulo com pesquisa sobre marcadores genéticos e influência ambiental no consumo de substâncias psicoativas.

Christian Kieling: professor do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e coordenador do Grupo de Pesquisa em Depressão na Adolescência do Hospital das Clínicas de Porto Alegre.

Valentim Gentil Filho: professor titular de psiquiatria da Universidade de São Paulo e membro permanente do Conselho Diretor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

Secretaria da Cultura - Governo do Estado de São Paulo /  Institulo CPFL
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