A Lava Jato não cabe na velha mídia

Cunha preso. Garotinho preso. Cabral preso. Renan acuado, articulando para aprovar com urgência no Senado as mudanças que a Câmara impôs às dez medidas contra a corrupção.

por Rodrigo Cássio Oliveira

Cunha preso. Garotinho preso. Cabral preso. Renan acuado, articulando para aprovar com urgência no Senado as mudanças que a Câmara impôs às dez medidas contra a corrupção. Se aqueles que consideravam a Lava Jato somente uma perseguição partidária contra a esquerda ainda não se convenceram de que o conflito entre os poderes da República é bem mais profundo, fica difícil imaginar que alguma coisa possa convencê-los.

Manifestantes “vintage” apelam à comunicação tribal na era digital (Fonte: JJ)

No entanto, apesar de ruidosa nos meios de esquerda, a aversão ideológica à Lava Jato está longe de representar maioria no Brasil. Em pesquisa feita este ano, o Instituto Ipsos mostrou que oito em cada dez brasileiros topam pagar o preço da instabilidade política para que a Operação siga em frente até onde for necessário.

Como explicar, então, que os procuradores em Curitiba tenham ameaçado renunciar se as alterações nas dez medidas passarem no Senado? É claro que essa promessa não exerce pressão direta sobre o Congresso, onde muitos se sentiriam aliviados com qualquer mudança na equipe do Ministério Público Federal. Na verdade, os procuradores estão convocando a sociedade para que ela pressione o Senado.

Não é a primeira vez que a Lava Jato faz uso da sua publicidade para estimular as ações populares. Os agentes públicos envolvidos na Operação – Sérgio Moro à frente – sabem muito bem do lastro social que a Justiça e a Polícia Federal possuem. Esse lastro se baseia em grande parte na espontaneidade das conexões das redes sociais. Na carta aberta de Moro contra a anistia ao Caixa 2 ou nos posts de Deltan Dallagnol no Facebook, a forma e o timing da comunicação do Judiciário e do Ministério Público mostram que a Lava Jato atua sempre com consciência de sua visibilidade.

Para horror de quem acha que Guy Debord teria alguma coisa a ver com a esquerda brasileira atual, este caráter “espetacular” da Lava Jato é, antes de tudo, inevitável. Qualquer aplicação incisiva da lei contra a histórica corrupção brasileira, no presente, teria diante de si o desafio de lidar com a intensa volatilidade da opinião pública nas novas mídias. Assim, entre os acertos e erros das suas estratégias de vinculação com o público, a Operação tem conseguido impactar as decisões políticas muito mais do que as velhas táticas dos partidos e movimentos sociais.

O fato é que a Lava Jato não cabe na velha mídia. A parte mais importante da sua reverberação na sociedade passa pela força extraordinária das imagens que ela produz. Enquanto o vídeo de Garotinho esperneando em uma maca despertava sentimentos contraditórios em uma sociedade que não tem o costume de ver gente poderosa e corrupta sofrendo, a Lava Jato nos forçava, mais uma vez, a confrontar o limite das nossas convicções republicanas. A mesma coisa ocorreu quando Lula foi conduzido coercitivamente para um depoimento em março. Enquanto Marcelo Calero se rebelava contra Temer, gravando suas conversas ao telefone, ele certamente se lembrou da divulgação, por Sérgio Moro, da conversa entre Dilma e Lula. O alcance restrito da sua rebeldia nos lembra que a visibilidade, por si só, não é um valor. Mesmo assim, o ministro Calero, até então atacado como “golpista”, criou mais dificuldades para Temer do que todas as escolas e universidades “ocupadas” pela esquerda “assembleísta” e arcaica que domina o meio cultural brasileiro.

Em certo sentido, a Lava Jato tem alguma afinidade com outros fenômenos contemporâneos da comunicação em rede. Assim como no vazamento de informações da inteligência americana por Snowden, ou na militância de Assange com a Wikileaks, ela força a opinião pública a se posicionar sobre o que é tornado visível. Mas é claro que a sua eficácia vem de motivos distintos. Em meio a tantos estímulos que se tornaram banais na mídia, as imagens geradas pela Lava Jato trazem de novo a ideia de um conteúdo inédito e impactante. O registro cotidiano da violência já não impressiona ninguém. Já Sérgio Cabral sendo recebido com festa no presídio de Bangu é uma imagem inesperada e muito provocante.

Os políticos não estão imunes à mobilização que tais imagens produzem, e é isso que explica a estratégica declaração dos procuradores da República. Parece infantilidade, mas é somente a política em tempos de hiperestímulo. Motivar uma manifestação popular contra o Senado condiz com o princípio de que o Congresso deve responder à sociedade. O recado dos procuradores é que a justiça tem o seu papel e procura cumpri-lo; os cidadãos também têm o seu; os deputados e senadores, idem.

Quem acusa a Lava Jato de ser muito midiática sequer começou a perceber as condições novas que as redes criaram. Enquanto o militante de esquerda pergunta “onde estão agora” os paneleiros e as camisas da CBF, as panelas já voltam a ser ouvidas e manifestações contra a corrupção são organizadas pelas redes sociais. Os resultados são imprevisíveis, porque a imprevisibilidade é justamente o fator mais distintivo de uma cultura da conexão em rede. As estratégias políticas dos procuradores da Lava Jato são tão falíveis como quaisquer outras; mas eles não podem deixar de fazer política. Nesse contexto, acreditar que a ideologia explicaria melhor os acontecimentos da luta contra a corrupção no Brasil dos últimos anos é uma teimosia.

É bastante duvidoso que a Lava Jato esteja mesmo no começo do seu fim, como disse Dallagnol na coletiva de quarta-feira. Isso seria lamentável para todos nós. No entanto, mesmo que a Lava Jato viesse a perder força, é ainda mais duvidoso que as condições sociais que lhe deram origem possam ser revertidas.

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