A república sem distinções – Entrevista com Charles Consigny

Entrevista com o jurista, escritor e colunista Charles Consigny, um dos nomes atuantes da direita republicana na mídia francesa
O escritor francês Charles Consigny: “A Frente Nacional é o novo Partido Comunista” (Foto: divulgação)

por Rodrigo de Lemos

Sobre o fundo dos efeitos da crise econômica europeia, das tensões decorrentes da imigração, da ameaça dos atentados e do imobilismo da classe política frente à premência de reformas, o jurista, escritor e colunista Charles Consigny tem sido um dos nomes atuantes da direita republicana na mídia francesa.

Nascido em 14 de julho de 1989, durante a celebração do evento planetário que foi o bicentenário da Revolução, é como se a trajetória de Consigny estivesse intimamente entremeada à da República e à de seu país, tanto pela história de sua família (povoada de artistas e de altos funcionários próximos a presidentes e a ministros) quanto pela personalidade tipicamente gaulesa que ele difunde em suas intervenções midiáticas na revista Le Point ou na rádio RMC: cáustico, elegante e dono de uma expressão oral cinzelada, que dispensa grandes retoques para se adaptar ao meio escrito. Em 2011, escreveu com o pai, o publicitário Thierry Consigny, Le Soleil, l’herbe, et une vie à gagner (O Sol, a grama, e uma vida a ganhar), e, em 2014, veio a lume L’Âge tendre (A Idade tenra), narrativa autobiográfica em que se mesclam, numa linguagem apurada, temas como tédio, abuso de substâncias, homossexualidade, amores frustrados e anseios políticos, tendo como fundo Nova York, Paris e a propriedade familiar, um castelo no Jura.

Encontrei Consigny no café Le Progrès, no bairro boêmio do Marais, entre a Rue de Bretagne e a Rue Vieille du Temple, para discutir, entre dois espressos, imigração, política, liberalismo e cultura.

Como os atentados terroristas na França influenciaram o tabuleiro político?

Charles Consigny – Na França, o grande fato político não são os atentados, é a reação aos atentados. No 11 de janeiro de 2015 [após o atentado à redação do Charlie Hebdo], o povo francês de repente se levantou, o povo francês que estava completamente apático, adormecido, um pouco ultrapassado pelos acontecimentos e um pouco em vias de ruptura. Não se sentia no seio da população francesa, que estava completamente sem fé no porvir, nada além de uma convicção de que a França não podia mais continuar; sentia-se mais uma resignação ao fim de algo e uma espécie de longo resvalar em direção à Europa, à globalização, mas sem nenhuma convicção. Confrontado a um extravasamento bárbaro em seu próprio solo, perpetrado por seus próprios filhos (os terroristas eram de nacionalidade francesa), o povo francês pensou: somos depositários de uma herança maravilhosa, da tradição judaico-cristã e da história francesa no que ela tem de singular (o Iluminismo, a Revolução), também dessa mistura de República e Monarquia, que se perpetua (o grande escritor Charles Péguy dizia: a República una e indivisível, nosso Reino de França) e que permanece no inconsciente coletivo.

Enfim, o povo francês se deu conta de que formava uma coletividade, de que queria continuar a formar uma coletividade e de que essa coletividade tinha entre seus valores cardinais a liberdade, enquanto só se falava de igualdade na França há anos.

Quais seriam os grandes obstáculos a um movimento de recuperação nacional?

Charles Consigny – Há um obstáculo maior que inquieta a população. Ele não é político, entre esquerda e direita, mas demográfico. Uma parte da população, que é uma parte da comunidade muçulmana, está em ruptura completa com a coletividade e não se reconhece nos valores de liberdade de expressão, no direito de blasfemar, de caricaturar; ela não se sente concernida por esse elã patriótico. Isso é terrível porque quer dizer que essas pessoas estão em secessão com o resto da população e não se sentem pertencer ao mesmo povo. Não vejo quanto tempo se pode aguentar com dois povos coabitando o mesmo território tendo os mesmos direitos, a mesma nacionalidade. Penso que estamos nos dirigindo a dificuldades terríveis que são muito difíceis de resolver.

Todos dizem que a solução é a laicidade, mas o que é a laicidade? Se for o respeito às crenças de cada um, sem caricaturas, uma adaptação das regras republicanas às religiões de cada um, para mim isso não é a laicidade, é comunitarismo. Penso, quanto a mim, que o Islã tem um trabalho a fazer em si mesmo, porque se trata de uma religião que arrasta consigo legislações bárbaras, como na Arábia Saudita, onde uma mulher foi decapitada por autoridades locais sem levantar protestos (não vi uma nota de imprensa do governo francês condenando a execução). Eles têm de se adaptar às regras ocidentais, e em particular francesas, em que a liberdade é algo de sagrado: não se pode por véus nas mulheres, ter várias, reivindicar desvios às regras gerais em favor de interesses particulares.

Mas, sendo mais duros, vamos resolver o problema ou agravar a fratura entre as pessoas? Não sei. Se, por exemplo, recusamo-nos nas cantinas escolares a fazer cardápios especiais para quem só aceita comida halal, o que se faz: eles vêm à cantina ou ficam ainda mais na sua comunidade?

Ouve-se frequentemente na França que esses atentados ilustrariam o fracasso da República em assimilar essas novas populações. Você concorda com essa interpretação ou se trata de outra dessas tentativas de autoculpabilização ocidental apontadas por Pascal Bruckner?

Charles Consigny – Na França, há sempre dois discursos sobre essas questões. Há o discurso da esquerda e de uma parte da direita, que consiste em dizer que, se as pessoas de origem estrangeira estão em ruptura com a França, é porque nós as recebemos mal, porque as isolamos em bairros de onde não podiam mais sair, porque não lhes demos emprego, porque foram discriminadas por empregadores.

Provavelmente há algo de verdadeiro nisso, mas creio que há também muita hipocrisia. Ousar dizer que os franceses abandonam os bairros sensíveis é uma mentira; a República gasta bilhões de euros na reforma urbana, em educação, ela faz o que pode para integrar as periferias.

Para compreender isso, é preciso partir da ideia de assimilação à francesa, à qual, aliás, eu não sou completamente favorável, porque a assimilação no sentido estrito do termo quer dizer que as pessoas se fundem completamente na comunidade que as acolhe. Então alguém que vem da Itália, em vez de chamar seus filhos Giulia e Mario, vai chamá-los Claudine e Robert. Penso que há algo de artificial nisso, que há uma perda. Sou mais favorável à integração: em Roma se faz como os Romanos, respeitam-se as regras em vigor. Não se faz como se estivesse aqui há dez gerações; não vejo em que uma tal ficção possa apresentar interesse.

Entretanto, foi sobre essa ficção que a República francesa funcionou durante muito tempo, quando se tinha uma imigração muito fraca, pois até os anos 70, contrariamente ao que se diz, a imigração na França era muito fraca, muito marginal, uma migração de ricos (uma princesa iraniana, um conde italiano). Primeiro, houve a reconstrução após a Guerra, quando vieram muitos operários. E, depois, com as leis do presidente Giscard d’Estaing sobre o reagrupamento familiar, vieram as famílias desses operários, e aí se passou de uma imigração de trabalho a uma imigração de povoamento. A assimilação não era mais de forma alguma possível, porque vinham populações inteiras. Elas se instalaram onde podiam e continuaram a viver como se estivessem em seus países de origem.

Em seguida, houve todo aquele discurso vitimista denunciado por Pascal Bruckner e que convenceu os filhos desses imigrados de que eles eram as grandes vítimas da nação francesa, de que eles eram perseguidos por patriotas que os excluíam. Convencidos disso, acabam por detestar seu próprio país, e hoje encontramos uma juventude que prefere sua religião a seu país e detesta seus compatriotas. O discurso antirracista da esquerda fez muito mal às pessoas que pretendia proteger. Jean Baudrillard traçava um paralelo entre o SOS Racismo e o SOS Baleias. O objetivo do SOS Baleias era salvar as baleias, e ele destacava de fato que o SOS Racismo só fazia salvar o racismo, fazendo-o ressurgir onde ele não mais existia. Creio que essas associações se enganaram completamente em seu combate e só fizeram manter o que elas queriam extinguir.

Isso é consequência de uma linha seguida pela esquerda após os anos 60, crítica da ideia de totalidade em favor da fragmentação, do multiculturalismo?

Charles Consigny – Claro, é a típica esquerda de 68 que tem uma visão muito triste, de pôr as pessoas em caixinhas. Haveria a comunidade gay, magrebina, muçulmana, como se um muçulmano não pudesse ser ao mesmo tempo heterossexual, contabilista e apaixonado por equitação. Precisam reduzir as pessoas a etiquetinhas que marcam frequentemente o que há de mais sensível nelas: a sexualidade, a religião, a origem. Por que pegar em alguém o que ele tem de mais íntimo para expô-lo publicamente e decidir o que ele pensa em função disso?

Creio que é melhor deixar as pessoas em paz com sua sexualidade, sua religião, sua origem, e antes tentar uni-las sob algo que seria maior do que elas, como era o caso da cidadania republicana, sem distinção de raça, de cor. Mas estamos sob influência anglo-saxã, e os americanos são completamente obcecados por suas categorias redutoras dos seres.  Quanto a mim, acho insuportável ser reduzido a um pertencimento diferente do nacional ou continental. Aceito que se diga de mim que sou francês ou europeu, mas todo o resto eu recuso.

Os atentados marcariam assim o fracasso desse discurso de esquerda Maio de 68?

Charles Consigny – Claro, eles tentam pintar os acontecimentos de depois do atentado como um movimento que reforça suas ideias, mas essa esquerda multicultural foi ridicularizada pelos atentados e pelo fato de que as manifestações que se seguiram foram pouco acompanhadas pela comunidade muçulmana: os muçulmanos não desceram à rua; nos colégios e nos liceus, houve jovens se recusando a fazer o minuto de silêncio. Tudo isso demole suas teses, da mesma forma que antes o livro de Houellebecq [Submissão] já os ridicularizava. Enquanto eles tentavam desmentir o livro de Houellebecq, os atentados vieram confirmar tudo o que Houellebecq escreveu, os temores que ele exprime. Seu discurso não é mais possível, e os jornalistas de France Inter, de Libération e de Canal+ devem questionar o que vêm pensando há anos, porque os fatos os desmentiram completamente.

O historiador François Furet se referia ao sistema político francês como a uma República do Centro consistindo em uma alternância entre centro-esquerda e centro-direita. Esses acontecimentos vêm abalar esse sistema?

Charles Consigny – Não tenho certeza. Viu-se a República do Centro funcionando na reunião após os atentados. Os franceses não foram reticentes a que a direita desfilasse com a esquerda. Hollande recuperou seu peso político, inclusive entre os simpatizantes de direita.

A França é paradoxal. É capaz de divisões políticas muito duras entre esquerda e direita, entre liberdade e igualdade e, ao mesmo tempo, quando a situação é grave, compreende que é preciso ultrapassar todos esses conflitos que são quase um coquetismo francês, o gosto pelo debate. Raramente encontrei nos debates públicos de que participo oposição irreconciliável, salvo talvez com uma certa esquerda e uma certa extrema-esquerda que só funciona por ideologia e que é incapaz de acolher alguém contrário a seu dogma.

Alain Badiou…

Charles Consigny – Badiou não é o pior.  Tem um senso da eloquência, é capaz de discutir com [o filósofo Alain] Finkielkraut. Tive, por outro lado, debates com deputados socialistas que eram muros de ideologia. Fiquei aterrado ao pensar que aquela gente votava leis francesas.

Fora esse tipo de coisas, penso que os franceses sabem ultrapassar suas clivagens. Provavelmente, o que vai acontecer é que Hollande vai encontrar ou bem Marine Le Pen em 2017 e será reeleito ou bem um candidato de direita e esse candidato será eleito.  A alternância continuará, porque a política conduzida pela direita na França é relativamente próxima da conduzida pela esquerda, salvo por diferenças simbólicas e psicológicas, que são muito importantes.

A imagem da França é muito ligada à ideia de Estado Social, muito apreciada por uma certa esquerda e pouco admirada por uma certa direita, liberal. Entretanto, a França é uma das pátrias das ideias liberais, sobretudo do liberalismo político dos séculos XVIII e XIX. Como você avalia o lugar do liberalismo hoje no país?

Charles Consigny – O liberalismo político teve um retorno poderoso após os atentados. Pede-se liberdade pública, liberdade política. Por outro lado, o liberalismo econômico não mais tem lugar. No debate econômico, não há mais liberais defendendo que se reduza um pouco as margens de manobra do Estado, que se desinche um pouco a administração, que se deixe o setor privado tomar em mãos algumas áreas. Somos completamente obcecados pelo setor público e gostaríamos que o Estado se ocupasse de tudo.  Isso faz parte do conjunto de coisas que tornam lenta a atividade econômica na França.

Infelizmente, esse debate não interessa em nada os franceses, que são apegados ao Estado e que são um dos povos do mundo a quem o comunismo causa menos medo. Para eles, a administração é da ordem do sagrado. Não se pode tocar. Na França, a administração tem um lugar enorme; ela intervém em todos os setores; isso custa muito dinheiro (a França tem hoje uma dívida de dois bilhões e uma das taxas de imposição mais elevadas do mundo), e sua eficácia é muito relativa. Trata-se de uma grande máquina senescente que domina tudo e que não funciona mais de verdade.

Seria bom aplainar tudo isso, mas é muito difícil para os políticos imaginar um sistema onde teriam menos influência, porque isso amputaria um pouco de seu poder. E é quase impossível fazê-lo à alta função pública francesa; os egressos da Escola Nacional de Administração que governam a França têm todo o interesse de que o Estado domine tudo.

Para forçar uma reação nas pessoas, já comparei a França à República Democrática da Alemanha, porque na área da cultura, por exemplo, você tem a impressão de estar na RDA: o sistema de distribuição de cargos, de funcionalismo dos artistas. Os protagonistas da cultura na França são funcionários. É terrível, porque isso lhes tira muita liberdade. Como se pode ser um artista que, como dizia [o ex-presidente Georges] Pompidou, deve contestar, deve protestar, deve discutir, como se pode fazer isso ante o órgão público, se é o órgão público que os nutre? É o que faz com que na França só se tenha um teatro de esquerda, um cinema de esquerda, museus que estão em poder de altos funcionários de esquerda, e esse sistema está totalmente emperrado.

Por outro lado, grandes estruturas culturais (museus, óperas, orquestras) teriam dificuldade em sobreviver somente no mercado…

Charles Consigny – Evidentemente, é preciso fazer uma distinção, mas na França não se tem mais o direito de contestar a qualidade de certas produções culturais. O Estado tem de apoiar financeiramente a ópera de Paris, mas parar de financiar todas as bombas que saem no cinema, ou esse teatro onde não há nada de interessante, ou qualquer coisa em arte contemporânea; tem de parar de estabelecer regras que obrigam as coletividades locais a dar uma parte de seu dinheiro a coisas que não merecem dinheiro público.

Há uma distinção a fazer, mas não temos mais o direito de fazê-la porque esse discurso é muito antipático. Se eu disser isso na frente de um representante de sindicato de intermitentes do espetáculo, ele vai me xingar de fascista. Convido as pessoas que duvidam da veracidade do que digo a irem a um teatro na França e avaliar a qualidade do que é produzido.

Você sabia, por exemplo, que na Villa Medicis, [residência de artistas] na Itália, que é uma grande instituição cultural francesa, não se pode mais avaliar os pensionistas? Eles devem somente apresentar as obras, mas não são avaliados. Sob Luís XIV, havia avaliações muito estritas, e, se os pensionistas não dessem conta dessas exigências, eram expulsos.

Há hoje todo um problema da cultura, que ultrapassa o cenário francês: tornou-se mais difícil ser um espectador que ser um artista. Hoje, como artista, pode-se fazer qualquer coisa, há um esnobismo geral que os protege, mas se alguém disser que algo é feio, respondem que é filistinismo e fascismo. Esse problema tem influência na vida cultural francesa, mas ele ultrapassa o cenário francês. Há uma espécie de oligarquia das artes com artistas que são impostores.

Uma parte da esquerda posterior aos anos 60 tomou um enorme impulso na classe média sobretudo com bandeiras de sociedade: as minorias raciais, sexuais, etc. Parece-me que há hoje algumas dessas bandeiras que começam a ser reclamadas pela direita. Trata-se de uma instrumentalização fria da direita para se opor ao islamismo ou ela começa a reservar um lugar às minorias no seu pensamento?

Charles Consigny – Penso que a direita não precisa das minorias. Talvez haja uma pequena parte da direita que é influenciada pelo jeito de fazer americano, impulsionando minorias etc. É um pouco o caso de Sarkozy, que põe mulheres em toda parte, um pouco à americana. Para os outros, não é problema deles, eles não estão preocupados.  Creio que eles têm razão e que isso não serve para nada. É preciso parar com esse tipo de política, que é cosmético. É preciso atacar as causas dos problemas e parar de fazer símbolos e publicidade.

Mas na Inglaterra, com o UKIP, e na França, com o Front National, as direitas não estão cortejando os homossexuais, por exemplo ?

Charles Consigny – Creio que são os homossexuais que cortejam o Front National e Marine Le Pen, que se tornou um ícone gay, como Cher, Milène Farmer ou Madonna, tornando-se o que na França se chama uma fille à pédé [expressão que designa mulheres que se cercam de homossexuais]. Há muitos homossexuais que se reconhecem nela, e seria preciso estudar psicologicamente os motivos disso. Veem nela uma espécie de mamãe protetora, simpática, festeira, fumante, com quem dá para se divertir.

Na homossexualidade, há algo de frustração, de inadaptação, enquanto talvez haja no Front National algo de revolucionário e de vingativo. Conheço homossexuais que se juntaram ao Front National, e frequentemente é porque fracassaram em outras coisas, então vão lá como uma última chance, não têm nada a perder. Têm vontade de que tudo dê errado, então talvez isso lhes servirá em algo.

É um pouco como a extrema-esquerda de outrora…

Charles Consigny – Provavelmente, os extremos se encontram. Mas o Front National é hoje em muitos aspectos um partido de extrema-esquerda, sob a dimensão econômica e social. O FN é o novo partido comunista.

Numa nota um pouco mais pessoal, você escreve também literatura, além de colunas em que não é difícil perceber um grande cuidado com o estilo. Na França, sempre houve escritores que eram grandes homens de Estado (Chateaubriand, Malraux) ou homens de Estado que eram escritores notáveis (Richelieu, de Gaulle). Hoje, tem-se ainda Renaud Camus, escritor que é também afinal uma personalidade política. Entretanto, recentemente, parece-me que política e literatura se afastaram um pouco… Como você vê essas duas atividades no seu caso?

Charles Consigny – Evidentemente, não me comparo com os nomes que você acabou de citar, e é bom que tenha falado de Renaud Camus, um escritor imenso.

Vi uma grande editora francesa que me aconselhou a fazer um ensaio. Refleti sobre isso porque nos meus livros quase não falo de política, ou então de maneira muito indireta de questões que talvez pudessem ter um caráter político. Nos meus livros, escrevo o que me parece o mais importante e aquilo sobre o que tenho menos dúvida.  A imprensa é espuma, é vento, e “nada é mais velho do que o jornal de ontem” [Charles Péguy]. Há uma espécie de renovação midiática que faz com que se possa escrever incisivamente, e, no dia seguinte, o tema será diferente. Além disso, tenho menos certezas sobre política do que sobre os temas que abordo em meus livros, porque os escrevo com a emoção, ao passo que os artigos na imprensa, as entrevistas, tudo isso escrevo com a razão, mas com uma razão que é sempre sujeita à incerteza.

Para mim, as duas atividades não se confundem. Seria difícil para mim escrever um livro político, porque seria preciso que eu fosse completamente sincero, que eu admitisse minhas incertezas, minhas dúvidas, que não tenho resposta a tudo. Posso afirmar as coisas de maneira um pouco peremptória para irritar meu contraditor e para que haja debate, mas no fundo há bem poucas certezas. Meus livros têm, aos meus olhos, um lugar muito maior na minha vida do que meus artigos na imprensa. A imprensa é o que é intenso, o que me diverte, mas a literatura é o essencial.

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