por Gabriel Heller
Alexandre de Moraes foi indicado pelo PSDB de São Paulo para o Ministério da Justiça do Presidente Michel Temer. A depender de seu desempenho, seria o candidato tucano à sucessão de Geraldo Alckmin e possivelmente herdaria a chave do cofre do Estado mais rico do país. Ao que tudo indica, sua performance o terá alçado ao cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
A morte do Ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava-Jato no STF, pregou uma peça no destino de Temer, de Moraes e do Brasil. Repentinamente, o Ministro Edson Fachin foi elevado à posição de solução dos problemas da Lava-Jato, diante da possibilidade de que ministros supostamente mais parciais herdassem a relatoria das ações penais no Supremo. Justamente Fachin, cuja indicação para o STF pela ex-Presidente Dilma Rousseff gerara uma enxurrada de críticas porque o PT estaria “aparelhando” a Suprema Corte.
Governos vêm e vão, mas ministros do STF ficam, e o vilão de hoje pode virar o herói do amanhã (ou vice-versa).
Vivemos um momento de alta politização da sociedade e tempos em que (quase) nada ocorre sem chegar à imprensa e, portanto, à opinião pública. Nem quando três valorosos ministros do STF foram alijados de seus cargos pela ditadura militar os juízes do Tribunal mereceram tanta atenção e preocupação da sociedade. Assim, não importa quem seja o indicado, é inevitável que a vida – pessoal, profissional e acadêmica – do postulante seja devassada, incluindo suas preferências e opiniões.
Não é de hoje que políticos de perfil originalmente técnico e acadêmico são indicados ao STF. Victor Nunes Leal, por Juscelino Kubitschek, e Aliomar Baleeiro, por Castelo Branco, são dois bons exemplos de renomados juristas com passagem pela política antes da nomeação para Ministro do STF. O que mudou de lá pra cá? Praticamente tudo.
A sociedade acompanha as sessões do Supremo pela TV Justiça; os Ministros do STF são capa de jornal e dão entrevistas semanalmente; os inquéritos contra políticos não são arquivados indistinta e liminarmente; almoços em restaurantes de Brasília e reuniões em barcos no Lago Paranoá chegam ao conhecimento de todos; a Corte não se furta a julgar casos que ocupam a zona cinzenta entre o Direito e a Política – e a Operação Lava-Jato ocupa o noticiário nacional todos os dias.
Algumas coisas, porém, seguem inalteradas: a afinidade político-ideológica entre o Presidente e o indicado; a existência de “padrinhos” políticos da escolha; e o tão propalado sentimento de gratidão que o novo Ministro reservaria àquele que o escolheu.
A afinidade de ideias é típica de decisões que guardam inafastável carga política. Ninguém esperava que Michel Temer indicasse alguém como Eugênio Aragão, Subprocurador-Geral da República que o acusa de golpista e não perde oportunidade de deslegitimar a Lava-Jato. Mas a escolha de Alexandre de Moraes parece estar no lado oposto do espectro: alguém cujas opiniões (jurídicas e políticas) são não só conhecidas por governantes e aliados, mas também compartilhadas com estes.
Os padrinhos da indicação são peças-chave na conjuntura atual: Temer não é amado pelo povo – para usar de eufemismo – e precisa do apoio do Senado para aprovar suas reformas. Sendo competência dessa Casa Legislativa chancelar a escolha do Presidente, o apoio dos senadores resulta obrigatório. Mais uma vez, contudo, a escolha de Alexandre de Moraes peca pela indiscrição, em especial quando ele é flagrado em sabatina informal em um barco em Brasília. Aliás, de que serve a sabatina oficial no Senado, à luz dos holofotes e das câmeras, se tudo o que se precisava saber já foi esclarecido de forma velada?
Por fim, a gratidão, trazida a lume pelo próprio Moraes em sua tese de doutorado. Para seres humanos normais, essa é a mais inexorável das circunstâncias. Como não guardar um sentimento de bem-querer em relação a alguém que lhe proporcionou a maior honraria possível para um jurista brasileiro? E é justamente por isso que os ministros da Suprema Corte não podem ser “qualquer um”. Munidos de todas as garantias possíveis e imagináveis, espera-se deles que, a despeito dessa nobre afeição, sejam fortes o suficiente para rejeitá-la ao julgar causas de interesse de quem os elevou a essa função – ou ao menos declararem-se suspeitos, deixando de votar nesses processos.
Os últimos anos ofereceram modelos de ministros que poderiam ser tidos por “ingratos”, merecendo destaque o Ministro Ayres Britto. Filiado ao PT e candidato pelo partido nos anos 1990, não deixou de votar de maneira progressista em casos polêmicos, exatamente como esperava a esquerda que o indicou ao Supremo. Contudo, foi o Presidente do STF que organizou e conduziu o julgamento do mensalão de sua antiga agremiação, não se furtando a tomar posição contra ex-correligionários.
Todos os receios em relação à indicação de Alexandre de Moraes são naturais e válidos na atual conjuntura, seja por seu passado, seja pelo momento em que foi escolhido. Sendo sua aprovação no Senado questão de tempo, resta torcer para que prevaleça o jurista, o professor, o promotor de carreira, não o político; e que a gratidão esteja lacrada a sete chaves em seu coração, bem distante dos autos da Lava-Jato.