Aod Cunha: “União, Estados e Municípios promoveram farra fiscal. A conta chegou”

Economista e ex-Secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Aod Cunha conversou com o Estado da Arte

O economista Aod Cunha foi o último Secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul a entregar orçamentos superavitários (2007-2009) em um estado cronicamente inviável. Doutor em economia e ex-professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Aod foi Consultor Senior do Banco Mundial, passando depois a atuar no setor privado (JP Morgan e BTG, entre outros). Desde Havana, Cuba, em meio às expectativas de um furacão pior que aquele ameaça nossa economia, Aod conversou com o Estado da Arte.

O tema da responsabilidade fiscal foi decisivo para o impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), e muito se falou do equilíbrio das contas públicas como um conquista de que a sociedade não abriria mão. Na sua avaliação, as eleições municipais deram algum indício de que o tema tenha sido incorporado à dieta política do brasileiro?

Aod Cunha – Acho que as urnas revelaram uma insatisfação do eleitor com a corrupção, com a situação econômica e com a má qualidade dos serviços públicos. Infelizmente, não acho que o eleitor médio consiga identificar a má gestão fiscal e estabelecer uma relação direta entre ela e a deterioração macroeconômica e a má oferta de serviços públicos. Ainda falta melhor comunicação e melhor educação política para que o cidadão incorpore a responsabilidade fiscal como um valor da sociedade, assim como a estabilidade de preços passou a ser vista depois do Plano Real. Como contra exemplo, o Partido Trabalhista australiano, num País que não conhece recessão há 25 anos, abre o seu programa de governo com uma enfática defesa do equilíbrio fiscal permanente. Ainda estamos longe no Brasil de ver os grupos políticos mais à esquerda, e talvez não só a esquerda, entenderem os benefícios sociais de uma política fiscal responsável.

Sem uma correta PEC de controle de gastos e sem uma boa reforma da previdência, o setor público brasileiro irá quebrar, com ou sem crise internacional.

Além do consenso de que as contas da União estão em frangalhos, muito tem se falado da precária e alarmante situação fiscal dos Estados brasileiros. Os municípios encontram-se em situação diferente da União ou dos Estados? Que realidade fiscal os novos prefeitos encontrarão a partir de 2017?

Aod Cunha – Os municípios tiveram um pouco mais de resiliência nesse quadro de piora das contas públicas, mas o agravamento da situação da União e dos Estados em 2015 e 2016 acabou atingindo a todos e ainda deve piorar nos próximos meses antes de melhorar. Por que a piora nos Estados foi maior e mais rápida? Porque os Estados caíram na armadilha fiscal, permitida por uma interpretação frouxa da Lei de Responsabilidade Fiscal por parte do governo federal, de tomar volumosos empréstimos desde 2010 para financiar crescimento de gasto corrente, principalmente com pessoal, acima da inflação. Agora secou a fonte de novos empréstimos e o gasto corrente está permanentemente mais alto. Uma loucura. Já os municípios viram uma boa parte das suas receitas serem corroídas pelas desonerações fiscais e a redução da atividade econômica, que diminuíram muito as transferências da União e dos Estados para seus cofres. Os Municípios em geral também foram bastante irresponsáveis na concessão de aumentos salariais muito acima da inflação nos últimos anos. A verdade é que União, Estados e Municípios promoveram uma verdadeira farra fiscal nos últimos anos. E a conta chegou.

Após a falência do modelo econômico estatista e intervencionista defendido pelo PT, que alternativa de gestão pública se apresentou, na prática, ao eleitorado brasileiro? As eleições deste domingo apontam para alguma direção?

Aod Cunha – Não há outra alternativa que não seja a da responsabilidade fiscal e a de práticas mais modernas na gestão pública no Brasil. Aqui se difundiu a idéia de que mais Estado significa melhor oferta de serviços públicos e, pior, que mais recursos significam melhores resultados. Isso é uma mentalidade atrasada que ainda vigora no Brasil. Há muitos exemplos no mundo e no país que mostram o contrário. Estão aí os ótimos resultados do ensino básico no Município de Sobral como um pequeno exemplo. Há vários outros. Não sei se as eleições do último domingo já mostram uma consciência plena do eleitorado e dos políticos de que precisamos partir para esta nova direção no setor público brasileiro. Creio que pelo menos começa haver um sentimento mais difundido de que o Estado não pode tudo, que ele precisa ser mais eficiente e que esse Estado que criamos ficou insustentável. Já é um primeiro passo.

Na campanha presidencial de 2014, o PSDB assumiu, ainda que timidamente, a defesa das privatizações da era FHC (1995-2002). O candidato tucano em São Paulo, João Doria, encampou o tema com vigor e entusiasmo. O PSDB abandonou seus preconceitos com as privatizações?

Aod Cunha – Espero que esteja abandonando. Acho que uma boa parte do PSDB hoje reconhece que errou lá atrás ao não defender mais enfaticamente as privatizações. Mais uma vez São Paulo parece ser um laboratório mais favorável ao PSDB, talvez porque no Estado as privatizações funcionaram melhor e a população reconhece mais os seus benefícios. Creio que a emergência de movimentos políticos mais liberais, como o Partido Novo, entre outros, também facilita ao PSDB assumir mais claramente posições mais pró-mercado. De alguma forma o partido sempre quis fugir do rótulo de um partido mais à direita. Por último, e talvez mais importante, o tamanho que o Estado tomou no Brasil e a sua falência de financiamento no governo do PT ajudam ao PSDB ser hoje um pouco mais ousado nas suas propostas.

Em que medida as turbulências internacionais advindas do trio “Trump-Brexit- Deutschbank” podem agravar a situação econômica brasileira?

Aod Cunha – Eu tenho dito com frequência que no curto prazo a conjuntura economia global é muito mais relevante para a economia brasileira do que qualquer notícia doméstica. Vivemos o mais longo período de anormalidade na condução de política monetária no mundo, com enorme excesso de liquidez. Com isso os investidores globais tomaram riscos como nunca antes haviam tomado. Cedo ou tarde o FED e o sistema global terão que convergir para taxas de juros maiores e/ou veremos uma significativa correção de preços de ativos mundo a fora. E o Brasil será afetado negativamente de um jeito ou de outro, ao menos no curto prazo. O que podemos fazer? Cuidar da nossa vida e fazermos o mais rápido possível as chamadas reformas estruturais. Sem uma correta PEC de controle de gastos e sem uma boa reforma da previdência,  o setor público brasileiro irá quebrar, com ou sem crise internacional. Mas se vier uma alta do FED mais rápida e ainda tivermos patinando nas nossas reformas, bom, aí podemos ver uma crise ainda maior do que aquela que temos hoje.

Na sua avaliação, a “antipolítica” teve um bom desempenho nestas eleições?

Aod Cunha – A “antipolítica” pode ser um conceito largo demais. De um lado vi um engajamento mais ativo de muitos, especialmente os mais jovens, através de novos meios, como as mídias sociais (por mais que a qualidade da informação e do debate por esses meios possa ser criticada). De outro lado, o crescimento dos votos nulos, brancos e abstenções revela um crescimento da descrença com a política, provavelmente pelas razões que já comentei: corrupção e ineficiência do setor público. Eu espero que seja um descontentamento com a velha e má política brasileira, e não com a política. Como já disse um antigo sábio grego: não há nada contra não gostar da política desde que você aceite ser governado por quem gosta.

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