por Ana Maria Furbino B. Barros
O que esperar dos servidores de um órgão que ganhou notoriedade com o afastamento de 6 de seus 7 julgadores por corrupção, e cuja missão é fiscalizar o uso de recursos públicos no falido Estado do Rio de Janeiro?
No dia 1º de novembro deste ano, um grupo de servidores do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) fez um “apitaço” em frente a um dos prédios em que trabalham, segurando uma faixa com os seguintes dizeres: “Albertassi não, chega de aparelhamento político do TCE-RJ”. A faixa foi uma reação às noticias jornalísticas do dia anterior, que davam como certa a indicação do deputado Edson Albertassi para a vaga de Conselheiro do TCE-RJ, aberta com a aposentadoria do sr. Jonas Lopes de Carvalho Junior.
O conselheiro aposentado figurou nos jornais neste ano depois de delatar 5 outros Conselheiros e um ex-conselheiro. Conforme a delação, realizada no âmbito da Operação “Quinto do Ouro”, o delator e os 5 Conselheiros recebiam valores indevidos para não desempenhar as suas funções de controle do dinheiro público. Antes mesmo de se aposentar, Jonas Lopes foi afastado de suas funções no TCE-RJ por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em razão da delação, os outros 5 Conselheiros também foram afastados cautelarmente e assim permanecerão ao menos até março do próximo ano.
De acordo com a Constituição e com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), a vaga do sr. Jonas Lopes deveria ser preenchida por um auditor substituto do TCE-RJ, ou seja, uma das pessoas que foram aprovadas no concurso para uma das três vagas de auditor substituto. Tal realidade fez surgir nos servidores do TCE-RJ a esperança de que o órgão passaria a contar com um integrante dotado de conhecimento nas matérias afetas ao Tribunal, não envolvido com os conselheiros afastados e nem com o grupo político dominante do Estado, do qual faz parte o ex-governador do estado, condenado por corrupção.
O cargo de auditor não se confunde com os cargos dos servidores que protestavam na frente da instituição. Enquanto os que protestavam têm atribuições de realizar as fiscalizações e somente analisar, sem julgar, as prestações de contas submetidas ao tribunal, os auditores substitutos têm como principal atribuição substituir os Conselheiros nas suas ausências, ou seja, têm poder decisório.
Dos 7 Conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais, 3 são indicados pelo Governador e 4 pela Assembleia Legislativa. Seguindo o critério da “cadeira cativa”, a vaga fica vinculada à sua origem. Como o Sr. Jonas Lopes foi escolhido por um Governador, sua vaga deve ser ocupada por alguém escolhido pelo atual Chefe do Poder Executivo estadual. O Governador, contudo, não tem livre escolha para o preenchimento de suas vagas: nos termos do art. 128, § 2º, I, da Constituição Estadual, 2 dessas vagas devem ser preenchidas alternadamente por membros do Ministério Púbico de Contas e por auditores substitutos.
Na atual composição do TCE-RJ, há uma Conselheira egressa da carreira do Ministério Público de Contas (a única não afastada do tribunal pelo STJ). Não há, contudo, nenhum auditor ocupando a vaga de conselheiro. Seguindo o entendimento do STF, explicitado na ADI 3255, os Tribunais de Contas devem adequar sua composição às normas constitucionais na primeira oportunidade. A primeira oportunidade do TCE-RJ surgiu com a aposentadoria de. Jonas Lopes, uma vez que, até 2016 o órgão sequer tinha auditores substitutos em seus quadros.
Para dar cumprimento à Constituição, a Presidente do TCE-RJ encaminhou ao Governador uma lista tríplice com os nomes, após dar ciência aos auditores que nela constavam em sessão administrativa no dia 28 de setembro. Naquela oportunidade, nenhum deles manifestou qualquer objeção à lista.
Contudo, a notícia que gerou a manifestação dos servidores do TCE-RJ não era um mero boato. Na última terça-feira, dia 07 de novembro, o Governador Pezão, ignorando a lista que lhe havia sido apresentada, enviou para a Assembleia Legislativa, a quem cabe aprovar a escolha dos conselheiros, o nome do Sr. Albertassi para aprovação.
Soube-se, no mesmo dia, que os três auditores substitutos que figuravam na lista (os únicos três que ocupam tal cargo no TCE-RJ) haviam desistido de concorrer à vaga. A declaração assinada em conjunto pelos três, que circulou rapidamente pelos jornais e surpreendeu todos os demais servidores do TCE-RJ, datava de 1o de novembro, data do “apitaço”.
A renúncia dos três levanta uma série de questões jurídicas e indagações gerais. O primeiro questionamento jurídico diz respeito à possibilidade da renúncia. Pode um auditor desistir de concorrer à vaga de conselheiro? Analisando literalmente a Lei Orgânica do TCE-RJ e o edital do concurso, pode-se concluir que concorrer à vaga não é atribuição do cargo e não há vedação expressa à renúncia.
Mesmo válida, é preciso questionar os efeitos dessa renúncia. Pode um ato de três servidores modificar a composição do Tribunal de Contas, composição esta definida pela Constituição Federal e reproduzida obrigatoriamente nas Constituições Estaduais? Em outras palavras, a renúncia possibilita ao governador escolher livremente o conselheiro?
A jurisprudência do STF sugere que não. No julgamento da ADI 4416-MC, a Corte Suprema deferiu medida cautelar para suspender a vigência do § 3º do artigo 307 da Constituição do Estado do Pará. O dispositivo permitia ao governador escolher livremente o conselheiro para as vagas destinadas ao MP de Contas e auditores caso os membros do MP ou auditores não preenchessem os requisitos constitucionais.
O relator, em seu voto, utiliza como fundamento o seguinte trecho da manifestação da Advocacia-Geral da União: “a ausência de auditores ou membros do Ministério Público Especial não autoriza a utilização de critério de escolha incompatível com o modelo federal traçado pela Carta Magna, que não prevê semelhante hipótese de escolha livre pelo Chefe do Poder Executivo”.
Se uma norma de Constituição Estadual não pode alterar a composição do Tribunal de Contas, tampouco pode um ato de servidores. Não havendo interessados em ocupar a vaga, deve ela ficar aberta. Nesse caso, o funcionamento do tribunal seguirá o disposto em sua Lei Orgânica, cabendo ao auditor substituto atuar como conselheiro.
Espera-se que as questões jurídicas sejam resolvidas no âmbito das ações judicias propostas contra a indicação do Deputado. Até o momento, o juiz responsável por uma das ações entendeu que não cabia a concessão de liminar para suspender a escolha realizada pelo Governador.
ATUALIZAÇÃO: Depois da conclusão do texto, a nomeação do Deputado Albertassi foi suspensa por decisão do Desembargador que julgou o recurso da decisão que havia indeferido o pedido.
Ana Maria Furbino B. Barros é analista de controle externo do TCE-RJe mestre em direito pela UERJ