O Estado da Arte dá continuidade ao especial sobre Educação publicando a análise do economista e professor da Universidade de Brasília, Roberto Ellery, sobre o corte de investimentos no setor de ciência realizado pelo governo Michel Temer.
por Roberto Ellery
Cientistas laureados com o Prêmio Nobel enviaram uma carta ao presidente Michel Temer alertando dos riscos de cortar verbas para a ciência (link aqui). A íntegra da carta não foi divulgada na reportagem do Estadão, e tampouco consegui encontrar seu conteúdo completo em uma busca na internet. Pelas reportagens e pelos trechos divulgados, no entanto, parece que a carta alerta para os danos irreversíveis de cortes na ciência e recomenda que mesmo com as dificuldades que estamos passando a setor deveria ser preservado.
Na literatura de crescimento econômico não faltam argumentos mostrando a importância de investimentos em ciência e tecnologia para o bom desempenho de uma economia no longo prazo. Também não faltam teorias justificando que parte desse esforço deve ser feito pelo estado. Dessa forma, é justo afirmar que, se é possível falar de consenso entre economistas, existe um a respeito da importância dos investimentos que estão sendo cortados no Brasil.
Não me recordo de ter ouvido algum político afirmando que investimentos em ciência, tecnologia não são fundamentais. Pelo contrário, argumentos sobre a importância de ambos são abundantes na maioria dos programas de governo apresentados ao distinto público pelos pretendentes ao posto de inquilino do Palácio do Planalto e dos diversos palácios que sediam governos estaduais pelo país.
Se é assim, por que os cortes? Alguma pessoas, inclusive cientistas, podem cair na tentação de acreditar que os cortes decorrem de uma opção de governo: condenar o Brasil a uma eterna dependência, ou coisa parecida. Pelo que observo, quanto o mais o comentarista é ou foi atraído pela esdrúxula tese segundo a qual o atual governo resulta de um golpe de estado, maior a probabilidade da adesão a tal hipótese. Não creio nisso, talvez por não crer que tenha havido um golpe. De resto, pelo que sei de ajustes fiscais, governos só os fazem quando não têm outra opção, e uma vez que começa o ajuste os cortes são feitos onde é possível. Infelizmente, na categoria do que é possível, encontram-se os investimentos em geral e os investimentos em ciência e tecnologia em particular.
A lógica é simples, quase rasteira, quando percebem que a situação financeira do governo está insustentável alguns governantes tendem a empurrar com a barriga até que outro assuma o cargo e tenha que fazer os cortes. Outros ignoram o problema até conseguir se reeleger na crença que o eleitor saberá perdoar, no caso de Dilma, um caso extremo, foram usados diversos artifícios para não reconhecer o problema fiscal, inclusive as fraudes contábeis que acabaram por tirá-la do cargo. Quanto mais tempo dura a enganação, mais brutal e desastrado será o ajuste. No caso do Brasil demorou demais, e, por isso, o ajuste fiscal que começou ainda em 2014, logo após as eleições, foi tão destrambelhado. Quando o ajuste se impõe não é fácil encontrar onde cortar gastos, várias pessoas foram contratadas e não podem ser demitidas nem ter seus salários reduzidos, várias outras despesas são reguladas por lei e exigem reformas na lei ou mesmo na Constituição para serem cortadas, alguns programas têm forte apelo social e político, e por aí vai, de forma que acaba sobrando para o investimento e para algumas despesas correntes discricionárias. Por isso Dilma, entre 2014 e 2016, e depois Temer, em 2016 e 2017, fizeram cortes em vários setores que o senso comum e os especialistas dizem não ser o melhor lugar para fazer cortes. É nesse sentido que é preciso pressionar permanentemente o governo por cortes, pois se ficar por conta dos políticos, os cortes sempre serão adiados e quando forem inevitáveis serão feitos sem critérios mais sofisticados do que o “corta onde dá para cortar”.
Como todo argumento lógico, o meu é tão bom quanto a boa vontade que o leitor me oferece, por isso resolvi olhar os dados. No sistema SIGRA/IBGE estão os dados de investimento em pesquisa e desenvolvimento como proporção do PIB (link aqui). Infelizmente, os dados só vão até 2014, ou seja, deixam de fora a maior parte do ajuste fiscal, mas mesmo assim é possível tirar algumas conclusões. A figura abaixo mostra o investimento federal em ciência e tecnologia entre 2000 e 2014. Dois fatos chamam atenção: o aumento drástico em 2013 e a queda em 2014.
Não é difícil ver que aquele aumento em 2013 não foi sustentável. Também não é difícil ver como a queda começa ainda em 2014, ou seja, durante o governo Dilma. A figura ganha impacto quando lembramos que em 2014 o crescimento do PIB ficou próximo de zero, ou seja, não foi o denominador que derrubou a série. Por que o governo Dilma resolveu cortar investimentos em pesquisa e desenvolvimento após tantos anos investindo no setor? Será que Dilma virou uma pessoa “do mal” e resolveu condenar o Brasil à famosa “dependência eterna”? Será que Dilma concluiu que o dinheiro investido não estava dando retorno? Não me parece que nenhuma das perguntas tenha uma resposta afirmativa (no caso da segunda pergunta ao menos o ponto é válido, mas não creio que foi a abordagem usada por Dilma). Aliás, a comunidade científica deve explicações sobre o que foi ganho com todo o dinheiro investido no setor, pois segundo o prof. Marcelo Hermes o resultado foi frustrante (link aqui), mas isso é assunto para outro post. Dilma cortou o investimento em pesquisa e desenvolvimento porque foi o que deu para cortar. Assim são feitos ajustes fiscais em geral e tudo fica mais grave no caso de ajustes que foram adiados por muito tempo de forma irresponsável, como foi o caso do Brasil.
Por que não houve gritaria em 2014? Em parte porque estava muito no começo do ajuste e o governo Dilma ainda tinha créditos com a comunidade científica. Em parte por afinidade política, pois não é segredo para ninguém a proximidade da comunidade científica com o PT. Também porque parte dos cortes foram mascarados pela elevação dos investimento das empresas em pesquisa e desenvolvimento. A figura abaixo mostra o investimento total em pesquisa e desenvolvimento entre 2000 e 2014.
Repare que houve crescimento em 2014. Isso não é bom? O setor privado assumindo um papel relevante no financiamento da pesquisa? Melhor ir com calma. Na série do SIDRA/IBGE estão incluídos os investimentos das estatais. Sem saber o que é empresa estatal e o que é de empresa privada, fica difícil avaliar se as estatais mascararam os cortes de investimento no setor, o que não seria exatamente uma novidade no Brasil, ou se o setor privado, de fato, segurou a onda em 2014.
Mas a figura chama atenção de outro fato importante: a queda significativa do investimento em pesquisa e desenvolvimento como proporção do PIB nos primeiros anos do governo Lula dando sequência ao que vinha ocorrendo nos últimos anos do governo FHC. Não lembro se teve carta de prêmio Nobel ou tamanha reação da comunidade científica naquela época. Estou sugerindo que os cientistas que assinaram a carta são petistas? Claro que não, longe disso. Minha tese é que a comunidade científica se acostumou com um patamar de recursos que talvez não seja real e está ressentida com a volta a realidade. Pior, com mais gente para dividir o bolo.
Roberto Ellery é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB)