Em busca de harmonia: novas luzes sobre política e religião no Brasil

No livro 'Brasil Polifônico' Davi Lago esclarece o fenômeno evangélico brasileiro.
Vista do Congresso Nacional, Esplanada dos Ministérios e a Catedral de Brasília

por Matheus Leitão

Em um tempo de incertezas no cenário político e de desesperança na economia, o diálogo é fundamental para tirar o país da crise. Na avaliação do mestre em Teoria do Direito e Teólogo Davi Lago, que lançou o livro Brasil Polifônico, somente um rico debate permitiria ouvir as várias vozes do país.

Na introdução da obra, ele diz que “em tempos como estes, devemos nos lembrar de que sempre existiram tempos como estes” e, ao mesmo tempo, “em tempos como estes, devemos nos lembrar de que nunca existiram tempos como estes”. Com essa ideia, Lago traça um caminho para tentar desvendar os segredos da sociedade “hipercomplexa” em que vivemos.

Na análise histórica abrangente do nosso passado e da construção do Estado Democrático de Direito, Davi Lago dá destaque especial ao crescimento da “nuvem de evangélicos” no Brasil. Ele defende que a igreja deve participar ativamente das decisões que afetam a sociedade como um todo, mas sem esquecer sua história, e os valores universais consolidados em marcos civilizatórios.

A complexidade está justamente no fato de que é preciso atender às demandas de participação do século 21, de representatividade de todos os nichos sociais, para que haja de fato uma “arena plural” e abertura para todo tipo de convicção e de pensamentos.

O cenário global atual é de quase “convulsão política”, segundo o autor, e nele os evangélicos têm ocupado cada vez mais espaço, especialmente na cena política brasileira. Crescimento que não aconteceu por acaso. No livro, o alvo principal de Davi Lago é tentar esclarecer o que ele chama de “um dos mais decisivos embates do início do século 21”: o Brasil e o protestantismo.

Para o autor, a separação plena entre Estado e instituições religiosas no país só aconteceu na Constituição Brasileira de 1988. Lago lembra que, na primeira Constituição do país, estava determinado claramente que a religião católica era predominante e havia a expressa proibição de que templos de outras religiões fossem construídos.

Apenas com a promulgação da Constituição de 1988, a importância da laicidade e da liberdade de religião no país, na sua visão, finalmente ganha corpo. Davi Lago afirma, inclusive, que aos olhos de hoje qualquer tentativa de aparelhamento político da fé ou aparelhamento religioso da política é “uma anomalia conceitual e um retrocesso”.

Porém, este é também um tempo em que parte da igreja – especialmente denominações pentecostais e neopentecostais – tem atravessado a fronteira que separa a Igreja do Estado, e se inclinado para discursos autoritários, desde que sejam conservadores nos costumes.

Exatamente porque há uma crise, o autor defende que este é o momento certo de fortalecer a democracia. Ele vê a crise como uma oportunidade de mudança.

Davi Lago lembra que a Reforma Protestante contribuiu para construir importantes conceitos jurídicos de liberdade religiosa, mas esse pensamento de reforma não seria bem desenvolvido no Brasil. Portanto a hora é apropriada para compreender a reforma e tentar dissipar o obscurantismo que cerca algumas questões nacionais.

Diante de um cenário polarizado, fica evidente, segundo o autor, que precisamos de maturidade e equilíbrio para transformar o país. Ele chega a afirmar que a nação é maior que hashtags e precisa do empenho do povo brasileiro para se reerguer, especialmente dos evangélicos – clamando por menos olho por olho e mais olho no olho. Davi Lago destaca ainda que, apesar dos seus defeitos, a democracia é uma das “grandes criações da humanidade”. Para ele, a mensagem cristã, de igualdade entre todos, criou a compreensão de cidadania universal. E a igreja primitiva, na sua avaliação, apresentava a mensagem de Deus com vivacidade e respeito, sem impor a verdade às pessoas.

Desde o Iluminismo, quando as liberdades individuais foram afirmadas de maneira latente, até o marxismo, que prega a totalidade social, passamos por guerras e revoluções que mudaram a estrutura da sociedade global e evidenciaram a importância dos direitos fundamentais para alcançar a dignidade humana.

“O uso público da razão e a garantia dos direitos fundamentais precisam caminhar juntos”, alerta o autor. Apesar das diferenças entre os indivíduos, Davi ressalta que é essencial o respeito ao outro e o pluralismo de visões. Ele fala em razoabilidade, tolerância e diálogo para mostrar como a democracia deve caminhar.

Por tudo isso, Brasil Polifônico, publicado pela editora Mundo Cristão, se transforma, fora do meio evangélico, numa ferramenta para aqueles que desejam entender como a igreja protestante chegou até aqui, quais direitos ajudou a conquistar e que caminho deve seguir para continuar sendo parte do fortalecimento de uma democracia saudável e em constante evolução.

Entre os cristãos protestantes, em especial, pode ser fundamental e ajuda a mostrar o caminho, como uma bússola, para enfrentar os muitos desafios vindouros, e certas confusões, do tempo atual.

Matheus Leitão é jornalista, colunista do Portal G1 e autor do livro Em Nome dos Pais.

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