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Benjamin Teitelbaum é etnógrafo, doutor pela Universidade de Brown e professor de Relações Internacionais na Universidade do Colorado. Autor de War for Eternity: Inside Bannon’s far-right circle (Gerra pela eternidade. O retorno do Tradicionalismo e a ascensão da direita populista), Teitelbaum concedeu entrevista ao Estado da Arte, em uma conversa — conduzida por Rodrigo Coppe e traduzida por Jonathan Goudinho — abordando Tradicionalismo, tradicionalismos, conservadorismo e nova direita, no Brasil e no mundo.
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O conceito de tradicionalismo se refere a muitas realidades. Qual é o tradicionalismo estudado por você?
Ser “tradicionalista” em relação a algo normalmente significa que você prefere as coisas do jeito antigo, que algo costumava ser melhor e que você é cético em relação a mudanças. Você poderia dizer que o Tradicionalismo que estudo — com T maiúsculo — pega essas ideias, as leva a extremos e procura justificá-las com ensinamentos religiosos. Esse tradicionalismo é uma escola espiritual e filosófica, que se aglutinou em torno de um punhado de figuras majoritariamente europeias, ao longo dos anos 1900, que acreditavam que o passar do tempo conduz, inevitavelmente, ao declínio e à degradação. Nossa situação só melhora quando as coisas ficam tão ruins que a sociedade implode, a que se segue um renascimento virtuoso e, então, um ciclo de declínio, morte e renascimento se inicia de novo, infinitamente. Como eu disse, isso é tipicamente parte de uma escola religiosa — as crenças são justificadas por sua evidente aparição em uma variedade de tradições espirituais esotéricas. Apenas ocasionalmente o tradicionalismo adentrou na política, e quase sempre o fez na direita radical. Mas nunca foi tão amplamente representado na política global como na última década.
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Notadamente, há uma confusão entre os conceitos de tradicionalismo e conservadorismo. O primeiro deve ser considerado uma expressão do conservadorismo?
Não completamente. Ambos tendem a suspeitar da ideia de progresso (a exceção é que alguns conservadores aprovam o capitalismo como uma força progressiva que pode produzir mais riqueza material do que jamais existiu antes). Além disso, as virtudes que eles veem no passado são frequentemente de tipo semelhante, nomeadamente maior religiosidade na vida pública ou a distinção de identidades sociais, étnicas ou de gênero. No entanto, tradicionalistas nunca são nostálgicos ou preservacionistas da maneira que os conservadores são. Eles realmente não acreditam que você pode reverter ou parar o tempo. A mudança social que os liberais chamam de progresso, e que eles chamam de degradação, é inevitável. E, ao contrário do conservadorismo padrão, eles podem encontrar motivos para celebrar o avanço de valores antitéticos aos seus próprios — e da mesma forma celebrar o mau funcionamento da sociedade civil —, pois isso pode sinalizar a aproximação do colapso social e, posteriormente, o renascimento de uma sociedade melhor.
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O que distingue a direita radical contemporânea do direitismo tradicionalista?
Assim como os tradicionalistas podem se associar aos “conservadores” em certa medida, suas visões também podem se alinhar às da direita nacionalista radical contemporânea — mas apenas até certo ponto. Todos se opõem à globalização e ao cosmopolitismo. Para o nacionalista de direita, isso deriva de uma vontade de reafirmar a soberania política, a distinção cultural ou a pura xenofobia. Para os tradicionalistas de direita, a celebração das fronteiras nacionais decorre para fronteiras de todos os tipos, em vez de um valor mais transcendente — e a crença correspondente de que uma marca registrada do declínio é a desintegração da ordem social, que eles veem como emergindo de fortes fronteiras entre gêneros, raças, nações, religiões e assim por diante. Tradicionalistas e outros da direita radical podem se tornar inimigos em estágios mais avançados de suas visões, no entanto. Especificamente, alguns tradicionalistas criticam os Estados-nação por seu secularismo e pela maneira como padronizam e nivelam a vida social, tentando eliminar todas as diferenças humanas à medida que uma população torna seus cidadãos iguais.
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O pensamento de Julius Evola e René Guénon é considerado por você como uma forte influência no populismo de direita contemporâneo. No entanto, existem diferentes perspectivas sobre a ação política. Você pode apontar essas diferenças?
Julius Evola — um italiano simpatizante de Mussolini — foi a primeira figura que levou o tradicionalismo para a política. Ele acreditava que o fascismo da Segunda Guerra Mundial representava uma profunda anomalia na história da humanidade, ou seja, um sinal de que o tempo estava se invertendo e que a sociedade humana não precisaria entrar em declínio para experimentar algo grande novamente. Ele acreditava que isso poderia acontecer, especificamente, se os ideais militaristas de Hitler e Mussolini pudessem ser transformados em ideais espirituais — se a Europa pudesse recuar da democracia para um estado militar e, finalmente, para uma teocracia, essa idade de ouro poderia ser obtida. No entanto, seu otimismo foi esmagado com a derrota do Eixo na Segunda Guerra Mundial, e depois disso ele adotou uma metodologia tradicionalista muito mais padrão, acreditando que a melhor coisa que um verdadeiro antiliberal poderia fazer durante os anos 1900 era preservar e proteger a si mesmo e esperar por a passagem do tempo para acabar com a modernidade e o liberalismo (ele chamou isso de “montar o tigre”). E para muitos tradicionalistas políticos, esse era o seu “ativismo”; um antiativismo. As figuras contemporâneas que abordo em meu livro, portanto, rompem com essa tendência e se juntam ao ativismo de outras figuras de extrema-direita que acreditam que há algo a ser alcançado agindo aqui e agora.
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Você entende que Dugin e Olavo de Carvalho são nomes influentes da nova direita radical no mundo. Também aí não há diferenças, visto que Dugin é um antiliberal declarado, enquanto Carvalho já se posicionou inúmeras vezes a favor do liberalismo econômico?
Existem grandes diferenças entre Dugin e Olavo. Ser um ideólogo de direita associado ao Tradicionalismo normalmente significa — no mínimo — que você encontra um mandato espiritual para sua política parcialmente em ensinamentos das antigas religiões orientais, que você condena o ideal liberal de progresso para substituir a espiritualidade pelo materialismo, que você condena a globalização e outras forças que criam sociedades homogêneas de massa, e que condena a maioria das instituições modernas como a mídia, a educação institucional, a ciência e o processo democrático liberal como irremediavelmente corruptos e prontos para a destruição. Mas para além de sustentar essas ideias bastante gerais, essas figuras podem variar amplamente, em parte graças ao fato de que o Tradicionalismo não delineia um programa político (lembre-se, realmente não se vê a necessidade de ativismo) e porque, para a maioria dos seus adeptos, é uma das múltiplas tensões ideológicas que seguem. A defesa que Olavo faz do livre capitalismo de mercado o separa de Dugin, bem como de muitas outras figuras da direita radical, e isso pode resultar de sua combinação incomum de esoterismo com elementos do neoliberalismo. Mas eu gostaria de mencionar um argumento que apresento em meu livro, a saber, que parece haver um objetivo comum no Tradicionalismo de Olavo, bem como no seu capitalismo e seu comunismo passado: todos eles foram expressões de dissidência e uma agenda geral anti-establishment. Normalmente eram ferramentas mais para condenar em vez de afirmar algo, quer o alvo da condenação fosse a ditadura militar, o PT, a China comunista, o progressismo de esquerda ou a ciência moderna.
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Seu trabalho parece nos permitir concluir que existe algum contato entre essas figuras — Dugin, Bannon e Olavo de Carvalho. Podemos dizer que existe uma organização sistemática, orgânica e centralizada da direita radical em todo o mundo?
Não há uma rede única e sistemática de contato e comunicação ligando ativistas de extrema direita em todo o mundo — em vez disso, uma infinidade de canais e alianças diferentes e mutantes, e o mesmo é verdade para o grupo de figuras que acompanhei. O melhor que posso dizer é que há uma estranha coincidência entre Olavo de Carvalho, Aleksandr Dugin, Steve Bannon, bem como outras figuras menores na Hungria, uma vez que todos emergiram aproximadamente no mesmo momento histórico — todos eles são associados de alguma forma ao Tradicionalismo, operando como gurus intelectuais por trás de governos de extrema-direita. Eles tentaram se comunicar e colaborar em 2018 e 2019, mas isso não funcionou devido aos seus diferentes entendimentos de Tradicionalismo, as dificuldades de suas personalidades e seus diferentes destinos políticos. Mas é bom lembrar que, ainda que essas figuras não atinjam seus objetivos individual ou coletivamente, isso não significa que não possam transformar a sociedade enquanto tentam. Especialmente porque a destruição, e não a criação, é o objetivo.
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Agradecimentos ao autor, Benjamin Teitelbaum, bem como a Rodrigo Coppe (líder do Laboratório de Estudos em Religião, Modernidade e Tradição, LeRMOT, da PUC Minas), pela condução da conversa, e Jonathan Goudinho (mestre em Ciências da Religião pela PUC-Minas e membro do LeRMOT), pela tradução.
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