Porto Alegre Surpreende as Esquerdas

Especial 'Estado da Arte' nas Eleições Municipais 2016 – Porto Alegre/RS
Prefeitura velha de Porto Alegre (RS)

por Guilherme Stein Gabriel Torres

Com a definição da disputa entre Nelson Marchezan Júnior (PSDB) e Sebastião Melo (PMDB) no segundo turno, Porto Alegre foi mais uma das capitais que mais contribuiu para o esfacelamento das coligações lideradas pelo PT. Das 27 capitais, o partido ganhou uma (Rio Branco) e só irá disputar o segundo turno em outra (Recife), com poucas chances de vitória. Na capital gaúcha, o resultado inexpressivo do candidato do PT (3º lugar, com 16,4% dos votos) é também um duro golpe em uma cidade com quatro administrações petistas consecutivas em seu histórico.

O contraste entre o cenário desenhado pelas pesquisas IBOPE e Methodus e aquele revelado pela apuração é gritante, o que se deve provavelmente a dois motivos. Primeiro, porque aquelas pesquisas superestimaram o resultado das candidaturas da extrema-esquerda. Em agosto, as primeiras pesquisas indicavam um segundo turno entre Luciana Genro (PSOL) e Raul Pont (PT). A liderança de Genro desapareceu com o passar das semanas de campanha, culminando com seu 5º lugar nos resultados.

Prevaleceu a máxima já estabelecida entre cientistas políticos segundo a qual as pesquisas distantes da eleição medem mais fama e reconhecimento do nome do candidato do que necessariamente intenções de voto. Genro concorreu à presidência em 2014, Raul Pont fora prefeito (1997-2000) e Melo, embora atual vice-prefeito, era relativamente desconhecido do público geral (como descobrimos recentemente, vices são rapidamente esquecidos por seus eleitores).

Em segundo, por causa da configuração final do primeiro turno: não penas pelos líderes, como pela vantagem a favor de Marchezan. Nesse quesito, há que se considerar um fator conjuntural, possivelmente ligado à exposição da extensão da corrupção na política brasileira pela Operação Lava Jato e pela imprensa: o alto número de abstenções, votos nulos e brancos em relação as eleições anteriores. Em relação a 2012, o número de votos nulos, brancos e de abstenções em 2016 foi 35% maior. Eleições com baixo comparecimento são, em geral, estatisticamente mais difíceis de prever do que eleições onde há um maior engajamento do eleitorado.

Contudo, subjacente à abstenção, há outros fatores que parecem hipóteses mais determinantes para o resultado. A abertura da votação por zonas eleitorais mostra que Marchezan ganhou em seis das dez subdivisões da cidade. Dessas seis, o atual deputado federal teve desempenho igual ou superior a 36,0% em três, com diferença sobre Melo entre 11,9 e 20,8 pontos percentuais. Por sua vez, o vice-prefeito teve como melhor desempenho 31,0% dos votos em uma das suas quatro zonas de vitória, e sua maior vantagem sobre Marchezan não ultrapassou os 10,6 pontos.

O que há em comum nessas áreas que explique essa vitória? A vantagem de Marchezan nessas regiões, mesmo com alguma disparidade de renda e escolaridade, pode passar pelos movimentos de rua que organizaram as manifestações de 2015 e 2016 concentradas nessas mesmas áreas – aos quais Marchezan tentou exaustivamente se vincular ao longo de toda a campanha.

Por outro lado, o desempenho do vice-prefeito parece conectado à extensão de sua coligação e ao esfarelamento da vantagem da extrema esquerda nos bairros mais afastados do centro da cidade. Diferentemente de São Paulo, o PSDB é uma força política relativamente menor do que os demais partidos na capital e sem a mesma vinculação estrutural – especialmente se comparado ao PMDB e ao PDT, que compõem a coligação de Melo, juntamente com outros doze partidos. Com uma estrutura eleitoral que contava com mais de 250 candidatos a vereador, e a vantagem da estrutura administrativa mais “capilarizada” da prefeitura, as vitórias de Melo por zona se concentraram nas áreas mais distantes ao sul e ao leste da capital.

Tais áreas têm em comum um perfil de eleitor mais dependente dos serviços públicos e, portanto, mais sujeitos a um contato direto com cabos eleitorais da coligação governista. Esse é um padrão que, historicamente, tem aderência aos dados: eleitores mais dependentes de programas governamentais tendem a votar com a situação – independentemente de qual seja. Não à toa, em nível nacional, o antigo PFL concentrava seus votos nas regiões Norte e Nordeste do país, assim como a migração da base eleitoral do PT foi para lá ao longo dos últimos treze anos.

Em relação ao segundo turno, o resultado é de difícil previsão por pelo menos dois motivos. Em primeiro lugar, é difícil identificar qual será o destino dos votos de Genro e Pont. Ambos representam um eleitorado identificado com posições da esquerda ideológica e que dificilmente estará disposto a ceder apoio a dois candidatos de partidos aos quais se opõe por razões conjunturais (PMDB) ou de identidade política (PSDB).

Nesse cenário, os votos do 4º colocado, Maurício Dziedricki, do PTB (13,7%), provavelmente serão decisivos para eleger o próximo prefeito. Ao longo dos últimos anos, seu partido participou das administrações Fogaça (PMDB) e Fortunati, que construíram a aliança da qual Melo é o atual representante. Contudo, ceder apoio a uma coligação que já conta com 14 partidos pode ser relativamente menos vantajoso que cerrar fileiras com outra na qual o PTB seria uma terceira força.

Guilherme Stein é Doutor em Economia pela FGV-SP e assessor da presidência da Fundação de Economia e Estatística (FEE-RS).

Gabriel Torres é Mestre em Economia (PPGE-EA/UFRGS), com concentração nas áreas de Macroeconomia e Econometria, e associado do Instituto de Estudos Empresariais (IEE-RS).

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