por Gabriel Heller
Contra o que protestam os alunos que invadem escolas em diversos estados do país? Contra a proposta de emenda à Constituição (PEC) que limita os gastos públicos pelos próximos anos e contra a medida provisória (MP) que altera profundamente o ensino médio brasileiro, responderia qualquer pessoa que vem lendo os jornais e assistindo ao noticiário televisivo diário.
Contudo, a pergunta requer uma resposta um pouco mais detalhada. Contra o que exatamente se insurgem? Contra a limitação dos gastos, porque o governo pode gastar mais e mais indefinidamente? Contra a limitação dos gastos, porque supostamente faltará dinheiro para a educação? Contra a limitação dos gastos, porque foi proposta pelo governo Temer – embora a ideia tenha sido cogitada originalmente no próprio governo Dilma?
E quanto à MP do ensino médio, o problema é o conteúdo? É a forma? Ou é o autor, para eles marcado com a indelével pecha de golpista usurpador?
Os alunos que invadiram as escolas e de lá se recusam a sair elegeram suas bandeiras, mas, a partir de seus atos e palavras, é difícil compreender suas motivações e seus objetivos para algo além de luta política ou jogo de poder. (A escolha dos termos não é à toa: foram essas as justificativas do então Presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, para a oposição que o PT promovera contra a reforma da previdência que acabou por realizar assim que assumiu a Presidência da República).
Se o problema é a forma, alegadamente sem debate, vale lembrar que a MP tem força de lei durante, no máximo, quatro meses, devendo o Congresso Nacional, por meio dos legítimos representantes do povo brasileiro – inclusive dos estudantes eleitores – discutir e aprovar (ou não) a proposta. Não convertida em lei nesse prazo, a MP perde seus efeitos.
Caso a MP não seja urgente, além de o Congresso poder rejeitá-la por esse motivo, há meios legais para impugná-la judicialmente. O STF já reconheceu essa possibilidade em outras medidas provisórias, e preocupa a aversão dos inconformados aos caminhos institucionais.
Se o defeito está no conteúdo, cabe questionar novamente: o que querem os estudantes? Leio num periódico local que uma estudante de Brasília quer uma escola em que se fale de racismo, transfobia e homofobia. Por que, perguntaria eu, se o modus operandi desses jovens só deixa clara uma coisa: eles já sabem de tudo.
Com a prepotência típica da idade, os jovens parecem lutar, tanto no caso da PEC no 241 (agora, no Senado, PEC no 55) quanto no da MP do ensino médio, pela adoção das suas próprias ideias. Querem debate, mas legitimam suas invasões com base em assembleias sem espaço real para oposição; falam em democracia, mas rechaçam a possibilidade de os representantes eleitos pelos cidadãos aprovarem uma MP que eles sequer leram; condenam um alegado autoritarismo, mas não comentam o fato de a proposta oportunizar ao estudante seguir, voluntariamente, diversos caminhos, em vez de forçar todos, como robôs indiferenciados, a trilhar percurso único.
Propostas para melhorar os níveis críticos do ensino em matemática que as avaliações nacionais e internacionais expõem? Essas os panfletários dispensam, afinal, trata-se de luta política.
Pensar no coletivo é pensar nos mais de 200 mil alunos que tiveram suas vidas prejudicadas pela impossibilidade de realizar o Enem na data correta e que não poderão participar de vestibulares ou concursos públicos que coincidirão com a nova data do exame.
No Rio Grande do Sul, estudante-invasor diz que a Universidade continua sendo um espaço de formação e debate. Mas que debate há se o acesso é restrito aos que pensam da mesma forma? Que formação há se aqueles minimamente habilitados a conduzi-la são barrados no portão de entrada? Afirma-se que a invasão – chamam-na “ocupação” – é imperativa, uma vez que ir para as ruas não estava surtindo efeito – sim, porque, para se invadir uma escola são necessárias menos pessoas do que para parar o trânsito de uma grande cidade.
Há, ainda, dissimulados que defendem as invasões sob o argumento de que é hora de se pensar no coletivo, não no individual. Ora, assembleias com resultados previamente conhecidos, compostas por quantidades ínfimas de estudantes, sem oportunidade para manifestações divergentes, não são representações do coletivo – exceto se adotarmos conceito que permita a qualquer grupo de mais de uma pessoa falar pela maioria.
Pensar no coletivo é pensar nos mais de 200 mil alunos que tiveram suas vidas prejudicadas pela impossibilidade de realizar o Enem na data correta e que não poderão participar de vestibulares ou concursos públicos que coincidirão com a nova data do exame. Considerar o coletivo significa lembrar dos milhões de reais que esse voluntarismo de uma minoria custará ao erário – e recordar que um dos supostos problemas da PEC no 241 é que ela tirará dinheiro da educação. Cuidar do coletivo também envolve tratar todos de forma igual no acesso às universidades públicas – o que esses pequenos grupos inviabilizaram ao obrigar à realização de dois exames distintos.
Mas, mais importante do que tudo isso, ter em conta o coletivo – ou simplesmente “o outro” – é cogitar que as suas opiniões podem não corresponder à verdade e que há outras pessoas intelectualmente tão capazes quanto você com posições diametralmente opostas – e que “ocupar”, da forma como se faz, é precisamente o contrário de debater.
A garantia de voz junto ao Poder Público e a consideração dos pontos de vista minoritários são asseguradas pela representação proporcional dos cidadãos na Câmara dos Deputados; a inafastabilidade da jurisdição e a independência do Poder Judiciário, por sua vez, são as últimas garantias de que dispõem as minorias contra os desmandos e arbítrios das maiorias. Ignorando o fato de que suas ideias são, de fato, ouvidas, mas podem ser rejeitadas no Parlamento e recusando-se a cumprir ordens judiciais, a única coisa que logram esses jovens sonhadores é negar o Estado de Direito que a Constituição Federal arquitetou e a democracia que eles alegam defender.