por Gabriel Heller
Luiz Inácio da Silva é um homem que soube aproveitar as oportunidades que a vida lhe deu. Da aposentadoria precoce ao boom das commodities, de uma forma ou de outra, as circunstâncias sempre serviram ao ex-Presidente, e, se ele tem um mérito indiscutível, trata-se de sua capacidade de fazer de um limão uma limonada.
Assim foi em sua detenção nos tempos da ditadura, na oposição a Fernando Henrique Cardoso, em seus dois mandatos na Presidência da República e na eleição de Dilma Rousseff. A Operação Lavajato e a eleição presidencial de 2018, hoje indissociáveis, parecem ser o capítulo final e imprevisível do mais controverso político brasileiro desde Getúlio Vargas.
Contudo, a comparação com Getúlio, sketch da predileção de Lula em suas performances no palco, se feita honestamente, revela-se indevida: Getúlio foi um ditador; Lula repartiu (voluntariamente ou não) o poder. Getúlio modernizou o país econômica e politicamente (tome-se como exemplo o voto feminino, instituído em 1932); Lula, a partir de 2006, jogou fora todas as chances que teve de legar ao Brasil um projeto sustentável para o futuro. Getúlio estruturou as condições do trabalho no Brasil; Lula realizou um importante programa para mitigar a miséria do povo, mas se omitiu quanto a medidas de longo prazo, as únicas hábeis a efetivamente tirar o povo da pobreza profunda.
Restam, porém, algumas aproximações entre os dois: populismo, personalismo, propaganda e desejo de poder. A despeito de ter contribuído, com políticas econômicas e dinheiro público, para ganhos descomunais dos mais ricos e para a concentração da indústria nacional, Lula posa, tal qual Getúlio, como pai dos pobres. Investe em caravanas e comícios, lembrando os cartazes com a figura de Getúlio em eventos de 1o de maio. Para coroar, esforça-se desmedidamente em jogar o povo contra todos que apontam seus malfeitos e se opõem a seu projeto de ser novamente Presidente da República, como fez Getúlio até “voltar nos braços do povo” e suicidar-se.
É uma platitude dizer que o brasileiro tem memória curta, mas soa mais justo reconhecer o poder da propaganda e a insistente crença em salvadores da pátria. O povo inculto, que relega a educação a segundo plano, está espalhado por todas as classes sociais. É, pois, um erro – preconceituoso e mal embasado – justificar o renitente sucesso de Lula nas pesquisas eleitorais aos déficits educacionais e informacionais dos mais pobres.
Lula é o que é porque soube aproveitar todas as chances que apareceram e porque seus adversários políticos são infinitamente mais incompetentes que ele no discurso e na propaganda. Aquele que hoje é supostamente perseguido pela Operação Lavajato e pela “grande mídia” recebeu o beneplácito dos órgãos de controle e da imprensa durante o seu governo, de modo que talvez seja hora de relembrar os grandes momentos de seu governo.
O ex-Presidente opôs-se à reforma da previdência de FHC e usa a proposta de Michel Temer como alavanca da contestação a seu governo, mas fez uma dura e necessária reforma na área em seu primeiro ano de governo. Protestou contra as ligações de FHC com o empresariado, mas passou a voar em seus jatinhos e irrigou seus cofres com recursos públicos. Foi o grande artífice da construção de elefantes brancos para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas, deixando mais despesas do que legado para o País.
Aliado das figuras mais rejeitadas da política nacional, disse que o ex-Presidente José Sarney não poderia ser tratado como uma pessoa comum, quando foram descobertos atos secretos ilegais no Senado Federal. Como líder maior de seu partido e governo, não fez mais do que se dizer traído diante de todos os desvios perpetrados a partir de 2003 e revelados com os escândalos do “mensalão” e do “petrolão”. E agora, envolvido pessoalmente em negócios mal explicados – sem falar no dúbio sucesso empresarial de seu filho –, tenta transformar tudo em um espetáculo de perseguição só comparável à condenação de Jesus em Jerusalém.
Há que se reconhecer a positiva política econômica do primeiro mandato de Lula, sua reforma da previdência e os efeitos imediatos que o Bolsa Família gerou para os mais pobres. Ademais, parece-me um equívoco falar de Lula como o grande líder do esquema de corrupção envolvendo empreiteiras e estatais: trata-se de uma teia tão grande e difusa, que dificilmente tem um comandante central. Contudo, é pouco crível que estivesse inocentemente alheio a todos os crimes praticados pela cúpula do partido que comanda e por autoridades de seu governo e do governo de sua sucessora.
Lula não mudou o Brasil: não fez as necessárias reformas política e tributária; não proporcionou, com todo o seu carisma, marketing e capital político, qualquer avanço sustentável e de longo prazo no País. Pelo contrário, legou-nos um Brasil em que os donos do poder assim se mantiveram e em que os pobres tiveram a efêmera ilusão de que importavam para os governantes.
Diante dessa situação e de todas as justas suspeitas que pairam sobre suas condutas durante e após seu mandato, a melhor postura para um estadista preocupado com a nação seria tentar provar sua inocência e defender o legado que diz ter. Lula, ao contrário, tenta voltar ao poder, prometendo retaliar os órgãos de controle e de imprensa que expõem as entranhas da política nacional. Não se vê aí um estadista, mas uma raposa política que não se importa em aprofundar a crise e a cizânia que reinam na sociedade brasileira.
O lugar de Luiz Inácio da Silva na História do Brasil é compartilhado por todos aqueles políticos de sucesso que, sob um discurso de zelo e proteção do povo, fizeram sua fama e fortuna à custa da permanência da miséria e do subdesenvolvimento nacional. Tratá-lo como santo ou demônio apenas engrandece um mito que nunca deveria ter nascido.