Especial Liberdade: Por que a esquerda odeia a tolerância

Sobre a vacuidade do "inclusivismo" esquerdista.

Tradução de Ana Beatriz Fiori do editorial da revista New Criterion, Vol. 35, n. 5.  

Boa parte desta edição é dedicada a ensaios que abordam o problema da liberdade de expressão no meio acadêmico. O “problema”, será quase escusado dizer, é que as universidades têm se tornado cada vez mais hostis à liberdade de expressão, de investigação, de ação e de pensamento. A disseminação do politicamente correto, submetendo a busca pela verdade ao dogma político, sacrifica a liberdade em nome da virtude (ou suposta virtude). A meia dúzia de ensaios a seguir disseca este drama lamentável e multifacetado. É uma sequência abrangente e desalentadora de reflexões. Juntas, elas revelam uma instituição em crise. Não é que as universidades tenham virado as costas à sua raison d’être – a busca da verdade e a propagação da civilização. Não, é pior que isso. Elas têm cada vez mais adotado uma ética que é nitidamente hostil aos seus princípios fundadores. “Hoje em dia”, Georg Lichtenberg observou com sarcasmo, “tentamos propagar a sabedoria em todo lugar: talvez daqui dois séculos não existam mais universidades para recuperar a velha ignorância”.

Parece que Lichtenberg não foi longe o suficiente, dado que a velha ignorância parece muito boa em relação à atual. Ao menos a ignorância de outrora se contentava com sua falta de conhecimento. A nova é proselitista e apaixonada pela autovalorização. Será que há algo mais a se dizer sobre isso? Parece que sim. Quando se trata de absurdos temerários, o atual meio acadêmico é uma caixinha de surpresas. Cada fundo do poço que atingem é provisório, um porão que esconde uma série aparentemente infinita de subporões. Assim, registrar essa escavação acaba sendo, também, uma tarefa infinita. Por exemplo: tínhamos recém encerrado nossa série de ensaios sobre a liberdade de expressão e a universidade quando recebemos um comunicado da Washington State University anunciando que “acadêmicos” de vinte e poucos anos (muitos do departamento de “Estudos Críticos sobre Cultura, Gênero e Raça” – não tem como inventar isso) haviam publicado uma carta aberta denunciando “discursos de liberdade de expressão”. É um documento realmente especial, fadado ao sucesso entre os conhecedores desse linguajar.

O que são “discursos de liberdade de expressão”? São os discursos não fiscalizados pelos autoproclamados guardiões da virtude. Veja bem: “Não é suficiente”, declaram esses Robespierres modernos, estimular que se tenha “mente aberta” e “sensibilidade”, especialmente quando esses esforços e retórica passivos invariavelmente levam a uma cultura que aceita e tolera a intolerância e o assédio; uma cultura universitária mascarada pela “tolerância” e pelos discursos de liberdade de expressão cria um ambiente particularmente desencorajador para os alunos marginalizados.

Pausa para considerarmos o significado semântico dessas aspas de tendência deflacionária. Há uma diferença entre mente aberta e “mente aberta”, assim como há uma diferença entre peixe fresco e peixe “fresco”. As aspas servem para retirar o aspecto indicativo ou declaratório da afirmação. Quer dizer, não estamos falando de mente aberta e tolerância de fato, mas de uma espécie de simulacro duvidoso dessas virtudes.

Existem, deve-se mencionar, usos perfeitamente legítimos dessa técnica de sabotagem cognitiva, como, por exemplo, quando um peixe realmente não é fresco, apenas “fresco”, ou, como usamos acima, quando acadêmicos são apenas “acadêmicos”.

Mas quando lemos, nessa carta aberta da WSU, que “não é suficiente reivindicar ‘tolerância’ ou estimular o ‘respeito’ a todas as opiniões”, sabemos que o que estão pretendendo é uma sabotagem semântica dupla. Em primeiro lugar, eles questionam a coerência ou autenticidade dos conceitos de tolerância e respeito como costumam ser entendidos. Em segundo lugar, eles os substituem por um entendimento dessas virtudes que se pretende superior e cujo resultado não é seu aperfeiçoamento, mas sua restrição. Então: “Devemos criar um campus que assegure nosso antirracismo, antissexismo, antixenofobia, anti-homofobia, anti-islamofobia, anticapacitismo e antidiscriminação. Devemos criar mecanismos e estruturas que combatam o ódio e estimulem que todos os grupos sejam ativos em nossos esforços coletivos para livrar o campus da intolerância e da desigualdade sistêmica”.

Um Guerreiro da Justiça Social cumpre o seu dever.

Isso faz lembrar o ataque de Herbert Marcuse ao conceito comum de tolerância como sendo “falso”, “mau” ou (em sua famosa frase) uma “tolerância repressiva”. Contra esse mal, ele defendia o que chamava de “tolerância libertadora”. O que é a tolerância libertadora? Simples:

intolerância contra movimentos da Direita e tolerância com movimentos da Esquerda.

O liberal clássico (que também é o atual conservador) promovia a tolerância porque ela ajudava a manter um espaço civilizado para opiniões discordantes. Muitos leitores se lembrarão de terem ouvido frases assim: “eu discordo de você, mas defendo seu direito de expressar sua opinião”.  Como isso soa antiquado hoje! Os guerreiros da justiça social têm horror da discordância e a tratam como heresia. Eles rejeitam a tolerância em favor de uma conformidade forçada e, de fato, totalitária. É a antítese do que se propunha a formação em artes liberais, e é por isso que a sua instauração no centro de instituições que outrora forneciam essa educação é uma triste ironia.

Para saber mais

Tolerância

Intolerância aos intolerantes

O catecismo de um revolucionário

Livros livres: em defesa da liberdade de expressão

O despotismo do costume

Anatomia da democracia

COMPARTILHE: