por Gabriel Heller
A vitória de Luiz Fernando Pezão nas eleições de 2014 para o Governo do Estado do Rio de Janeiro foi uma dádiva para os demais candidatos – tanto quanto a vitória de Dilma Rousseff foi para Aécio Neves. Àquela altura, por mais que se negasse ao longo de toda a campanha eleitoral, todos sabiam que a catástrofe financeira estadual e federal era iminente. Agora, nada mais justo que Pezão e seus correligionários da Assembleia Legislativa (Alerj) sejam obrigados a enfrentar as consequências políticas das estripulias administrativas de PMDB e companhia.
Sergio Cabral, padrinho político e antecessor de Pezão, e deputados estaduais de sua base passaram quase oito anos distribuindo dinheiro – inclusive para seus próprios bolsos, segundo a força-tarefa da Operação Lava Jato. Renúncias de receitas, contratações de pessoal, aumentos salariais generosos e diversas obras superfaturadas conferiram ao Estado um clima permanente de Carnaval. Ao que parecia, todos ganhavam, não obstante os avisos de economistas sérios que hoje podem dizer, em tom professoral, “eu avisei”. Inconsequência e incompetência frequentemente assinaladas levaram o Rio de Janeiro a uma condição financeira insustentável.
O quadro falimentar do Estado envolve atrasos nos salários de servidores, bem como calote em fornecedores e no Governo Federal. Amparada por cláusulas contratuais que lhe garantiriam receber o que lhe é devido, a União providenciou, na primeira semana do ano, o bloqueio de valores das contas do Estado. O ente estadual, desprovido de recursos para pagar seus funcionários e outras despesas de custeio, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), que, por meio de decisão liminar (provisória por natureza) da Ministra Carmen Lúcia, suspendeu o bloqueio sob o argumento de que a calamidade financeira assim exigia.
De acordo com a Procuradoria-Geral do Estado do Rio, condições financeiras supervenientes demandam repactuação dos requisitos e da forma de pagamento à União, afinal, a impossibilidade de pagamento decorreria de circunstâncias alheias à vontade do Estado e “absolutamente imprevisíveis”. Nada mais falso: a crise financeira do Rio de Janeiro, embora não possa ser dissociada da crise nacional de responsabilidade dos governos petistas, é a pior entre os estados justamente em função de medidas irresponsáveis adotadas deliberadamente por seus governantes e legisladores. A título de exemplo, o Estado pode não ter ingerência sobre o preço do barril de petróleo, notoriamente variável; mas é de sua exclusiva responsabilidade criar despesas obrigatórias e permanentes contando com esses recursos instáveis e incertos. A crise era previsível e todos foram avisados, mas preferiram fechar olhos e ouvidos. Agora, a conta chegou, e os três Poderes, nas esferas estadual e federal, têm de achar uma saída.
Vê-se, assim, que a situação em que foi posta a Presidente do STF, de plantão durante o recesso judiciário, não é de fácil resolução. Por um lado, permitir o bloqueio de contas para pagar débitos com a União significa privilegiar esse credor em face dos demais (fornecedores, que têm contas a pagar e que geram vagas de trabalho num quadro desesperador de desemprego, e servidores); envolve deixar sem condições de subsistência milhares de pessoas, mas representa também um novo esforço para que cidadãos, servidores, empresários e governantes entendam que o dinheiro público – tanto quanto o privado – não nasce em árvore.
Por outro lado, impedir o bloqueio traz reveses que podem expor a existência de um buraco abaixo do fundo do poço. O precedente implica a lição aos outros estados da Federação de que não basta ser irresponsável e quebrar o ente; você deve gerar uma crise tão grande que pareça insolúvel e que seja, preferencialmente, maior que a dos seus pares.
Isso sem falar na falta de segurança jurídica e na perda de credibilidade junto ao mercado no momento em que o País mais precisa mostrar estabilidade e pulso firme. Segurança jurídica e credibilidade, é bom frisar, não são conceitos abstratos de somenos importância; são elementos-chave cuja ausência importa em reflexos mediatos, mas profundos, principalmente sobre aqueles que agora sofrem com atrasos em pagamentos e calotes por parte dos governos.
Com a liminar citada, tentando proceder a essa “escolha de Sofia”, a Ministra Carmen Lúcia acabou por forçar a União a pedir a suspensão do processo e negociar com o Estado do Rio de Janeiro. Usando o Direito, afastou o Direito da equação, implicitamente declarando que, em face de adversidades econômicas extraordinariamente graves, a Política deve prevalecer. Afinal, tribunais existem para dizer o Direito e fazer valer direitos, mas as cortes de justiça (ainda) não criam dinheiro.
Dois anos transcorreram desde a vitória de Pezão nas eleições, e nenhuma medida que ensaiasse uma saída para a crise foi tomada por seu governo e pela Alerj. Populistas incapazes de tomar uma decisão técnica e não político-demagógica, os representantes do povo do Rio de Janeiro gastaram esse tempo com extintores vencidos, inaptos para minimizar o calamitoso incêndio das contas públicas estaduais – incluindo uma questionável e bilionária ajuda da União em função das Olimpíadas. No fim de 2016, a Alerj rejeitou boa parte dos primeiros projetos efetivamente sérios – e evidentemente impopulares – enviados pelo Governador para superar a hecatombe fiscal.
Sem prejuízo dos trabalhos que Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado devem empreender visando à responsabilização individual pela gestão temerária que legou essa situação, é chegada a hora de os Poderes estaduais deixarem popularidade e eleições de lado e priorizarem o interesse público e o futuro dos cidadãos; de aprenderem a fazer o que é necessário e tomarem medidas duras para sanar a crise. Para isso, o Estado precisa de ajuda, e é esse o apoio que o Governo Federal deve ao Rio