Temer no Planalto é retrocesso na agenda de reformas

Para o professor da UnB Roberto Ellery, a manutenção de Michel Temer no comando da nação contraria os reais interesses reformistas que podem beneficiar o país.
FOTO: DIDA SAMPAIO / ESTADÃO

por Roberto Ellery

Durante a década de 1990, vários países da América Latina fizeram reformas no sentido de facilitar o funcionamento do mercado, as ditas reformas liberalizantes. Abertura da economia, controle da inflação, taxas de juros realistas, controle ou pelo menos reconhecimento da questão fiscal e outras medidas do tipo deram o tom daquela década em “nuestra” América. Como resultado, a combinação de recessão com (hiper)inflação que marcou o continente na década de 1980 saiu de cena, mas não veio o crescimento sonhado na maioria dos países (sobre este período no Brasil, ver aqui, para uma palestra minha sobre o tema, ver aqui).

O crescimento frustrante levou vários economistas a buscar entender o que tinha acontecido. Para uma discussão mais ampla sobre o tema, recomendo o livro “Left Behind: Latin America and the False Promise of Populism” escrito pelo Sebastian Edwards. Para uma referência em forma de artigo científico, recomendo “Why Have Economic Reforms in Mexico Not Generated Growth?”,  Timothy Kehoe e Kim Ruhl, e “The Interaction and Sequencing of Policy Reforms” de  Jose Asturias, Sewon Hur, Timothy Kehoe e Kim Ruhl.

Grosso modo, a literatura concluiu que reformas, particularmente abertura econômica, possuem efeitos grandes em países muito pobres, como China e Índia. Ocorre que, à medida que a renda do país aumenta, o efeito não apenas diminui como passa a depender muito de outras reformas. Para deixar a questão mais concreta, suponha um país muito pobre que resolve abrir a economia.  Em um primeiro momento a chegada de novas empresas, talvez atraídas pelos baixos salários, tem um impacto muito grande na economia do país, que passa a experimentar um crescimento significativo. Porém, à medida que a renda aumenta, ou se o país que fez a reforma já tiver uma renda mais alta, será necessário que empresas cada vez mais sofisticadas e competitivas comecem a operar no país. Tais empresas precisam de mão-de-obra qualificada, estabilidade política e macroeconômica, garantias de direito de propriedade e outras medidas que dependem de novas reformas. Uma economia sem essas características, por mais que tenha baixos salários, terá dificuldades em ter empresas altamente produtivas que criem e usem tecnologia de ponta.

O Brasil e boa parte da América Latina estão exatamente nesse segundo grupo, os ditos países de renda média. Não somos pobres o suficiente para atrair empresas com salários baixíssimos como fez a China, porém não temos as condições necessárias para atrair ou criar empresas que pagam salários mais altos e trabalham próximas a fronteira tecnológica. Existem várias estratégias para resolver esse problema. Em uma ponta está a agenda de reformas que busca criar as condições para atrair ou permitir o desenvolvimento de empresas de ponta; economistas que seguem essa linha estão sempre a pedir reformas que melhorem o ambiente de negócios, garantam estabilidade macroeconômica, qualifiquem a mão-de-obra, aumentem a produtividade e etc. Na outra ponta está o que vou chamar com alguma impropriedade de desenvolvimentismo; economistas dessa linha acreditam que via controle de preços, especialmente câmbio e juros, e subsídios, o governo pode atrair empresas de ponta que não viriam em condições normais, uma vez que as empresas tivessem instaladas seria mais fácil criar as condições para que continuassem operando. Entre as duas pontas existem uma infinidade de possibilidades que costumam aparecer em vários países, inclusive no Brasil e na América Latina.

Pois bem, a partir de 2006 o Brasil largou a agenda de reformas e tomou o caminho do desenvolvimentismo. Vários economistas desenvolvimentistas, ressabiados com os anos de predomínio da agenda de reformas, correram para apoiar os governos que aplicaram a estratégias de subsídios e controle de preços. Alertados para os vários escândalos em que tais governos estavam envolvidos, inclusive comprometendo a aplicação da agenda desenvolvimentista, muitos deles preferiram fazer vista grossa em nome do que acreditavam, ou queriam acreditar, ser a oportunidade de implementar políticas econômicas que consideravam corretas. Por conta disso economistas desenvolvimentistas, inclusive os que pularam do barco antes do naufrágio, acabaram pagando a conta perante a opinião pública quando a experiencia de política econômica pós-2006 desaguou na maior crise econômica de nossa história.

Aqui chego ao ponto central deste post: eu não vou cometer o mesmo erro dos desenvolvimentistas. Desde o final de 2014 o governo vem acenando uma guinada na direção da agenda de reformas. Porém, apenas após a posse de Temer, foi possível ver o governo realmente empenhado com as reformas. O teto de gastos, a reforma de previdência e a reforma trabalhista são as mais visíveis, mas o tom reformista do governo apareceu em outras ações. Mesmo com críticas pontuais apoiei cada uma das reformas propostas pelo governo Temer. Fiz isso por acreditar que tais reformas tornarão o Brasil um país melhor e mais rico.

Desde a divulgação do áudio da JBS a coisa mudou de figura. A permanência de Temer no governo pode até ajudar com algumas reformas, particularmente a trabalhista, mas definitivamente vai na contramão da melhora do ambiente institucional que tanto precisamos. A lei trabalhista brasileira espanta empresas, mas a existência de empresas cujos donos se reúnem com o Presidente da República na calada da noite para discutir crimes e tratar de interesses da empresa espanta mais ainda. Pior, as empresas que mais fogem de coisas assim são as que mais precisam de estabilidade institucional, exatamente as empresas que usam e criam tecnologia de ponta. Da mesma forma, são tais empresas que fogem de cortes que julgam de acordo com a conveniência dos poderosos de plantão. Para extrair minério, a condição institucional do país talvez não seja tão importante, abundância de recursos naturais e salários baixos podem ser mais do que suficientes para garantir boas margens de lucro. Para produzir tecnologia e/ou trabalhar na fronteira, salários baixos e abundância de recursos naturais talvez sejam irrelevantes, é preciso um bom ambiente de negócios, são necessárias instituições que garantam o direito de propriedade, enfim, é preciso que exista confiança.

Manter o governo Temer depois de tudo que aconteceu é assinar mais um atestado de República de Bananas, o tipo de coisa que vai contra tudo que acredito ser a agenda reformista. Por isso, e por outros motivos, creio que mesmo que as reformas em andamento sejam prejudicadas o melhor para o Brasil é a retirada de Temer do Palácio do Planalto.

Roberto Ellery é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB)

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